O manto negro que cobria o céu, transformava o dia em noite, os clarões emitidos do firmamento vinham dos raios aleatórios que se escondiam atrás das nuvens, somente os mais rebeldes aventuravam-se em aparecer. A ousadia do vento fazia com que os papéis jogados na rua se mantivessem em constante movimento. O clima contribuía para tumultuar ainda mais o caos que se instalava na entrada do fórum.
Quando a porta de carvalho foi fechada, ela isolou a dependência dos ruídos exteriores, trazendo um falso sentimento de paz. O mundo lá fora abrigava todo o tipo de gente. A imprensa alvoroçada e ávida pelo acesso às informações; os comerciantes apreensivos que contratavam diversos serviços da Grande Omni; os clientes fiéis que adquiriam os produtos acreditando na idoneidade da marca; os cidadãos desinteressados, mas que queriam fazer parte dos acontecimentos; por fim haviam os curiosos de plantão que adoravam ver a desgraça alheia e se deixavam atrair por qualquer tipo de aglomeração.
Dentro do recinto, o cheiro da mobília de madeira se misturava com o odor desprendido pelos livros nas prateleiras da biblioteca lateral. O ventilador preso ao teto girava vagarosamente emitindo um rugido baixo, porém perceptível. No centro, o magistrado aguardava que as duas partes acomodadas nos bancos tomassem as ações.
De um lado, José Duarte, mais conhecido como doutor Duarte, um senhor distinto e respeitado. Um homem com algumas conexões importantes no mundo das autoridades, e que representava a Perches Advocacia. Em seu terno Zegna, negro imaculado, com alta qualidade e muito bem confeccionado, estava perto de completar seus sessenta anos. Cabelos grisalhos, penteados para trás, rosto limpo e pálido, mostrando que uma lâmina afiada o visitara naquele dia mais cedo. Usava uma colônia de barba que exalava um aroma de menta refrescante, evidenciando sua presença por onde quer que passasse. Estatura mediana e dono de uma barriga pouco volumosa, mas que se fazia perceptível em seu abdômen. Segundo seu próprio conceito, era um charme adquirido com muito zelo durante toda sua existência. Seus olhos marrons e piedosos acompanhavam seus gestos acolhedores que tentavam apaziguar o nervosismo existente. Uma de suas mãos segurava uma pasta com alguns documentos enquanto a outra repousava no ombro de Adriano Camargo, seu pulso carregava um relógio, Rolex Day-Date, também conhecido como Rolex President, cuja beleza disputava as atenções com a aliança espessa em seu anelar. Seus dedos, com bases nas unhas, imprimiam um pouco de vigor em seu cliente.
— Calma, tudo vai dar certo.
Adriano parecia um personagem desconectado da realidade, sua simplicidade destoava do ambiente e das pessoas presentes, não auxiliando em nada a disfarçar o pavor que a situação lhe causava. Seu perfume rançoso, com odor oxidado, não conseguia disfarçar as manchas em sua camisa social amarrotada, onde o suor excessivo atacava seu corpo. Suas mãos, com as unhas roídas, insistiam em ficar se arrastando por suas coxas em um vai e vem interminável. Sua vista não se desgrudava da ponta de seus sapatos, surrados pelas atividades do dia a dia, como se ali estivesse escondida a solução para todos os seus problemas. Sua voz quando saia, titubeava com as palavras numa tonalidade muito mais baixa que o normal.
— Olhem para eles! Parecem que vão nos comer vivos.
O ex-empregado da Grande Omni, mesmo apontando para seus opositores, insistia em manter os olhos fixos ao solo. Numa clara atitude de submissão.
— Heitor não vai deixar isso acontecer. Certo, Heitor?
As palavras do doutor Duarte não transmitiam a Adriano, a segurança que ele esperava obter para o que estava por vir.
— Estou aqui para isso.
Heitor se encontrava com o espírito muito ativo. Olhar atento, observando tudo à sua volta. Como ele gostava daquela sensação. Amava o que fazia e quando estava atuando, praticamente se esquecia que algo fora dali merecia sua atenção. Como se possuísse uma chavinha em sua cabeça que o desligasse de sua vida cotidiana momentaneamente. Suspirou profundamente, entrelaçando os dedos enquanto aguardava a reunião começar.
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O Veredicto (O conto virou livro)
DiversosAtendendo aos pedidos dos leitores, 'O Veredicto', que começou modestamente como um conto de 69 páginas (número sugestivo, não?), agora se transformou em um livro 'corpulento', com 569 páginas. Os 12 capítulos originais se multiplicaram em 48. Agrad...