Capítulo 3

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Carmen mirou outra vez para o relógio fixado na parede, os ponteiros do aparelho se moviam normalmente, apesar de sua percepção lhe dizer que o tempo se arrastava mais lentamente que o normal. As cadeiras de estofamentos acolchoados dos outros empregados do escritório estavam vazias, já haviam saído a mais de uma hora atrás, deixando-a solitária em sua mesa com o porta retrato onde ela e sua filha, Gislaine, sorriam abraçadas. O objeto se perdia no meio de várias notas de entrega que deveriam ser organizadas e anexadas em suas respectivas ordens de serviços. Apesar de não ser sua função cuidar daquela parte burocrática, havia sido uma designação direta do proprietário da empresa. Isso tornava a tarefa indesejada e de última hora como obrigatória. E para ela que ainda estava em um período de experiência não atender as expectativas, podia ser a diferença entre ser efetivada ou dispensada.

O ambiente possuía uma ventilação limitada, espaços congestionados, muitos papéis espalhados pelas mesas, os equipamentos eletrônicos geravam um calor que incomodava e a iluminação era inadequada. Essas condições produziam uma sensação de claustrofobia em Carmen, sufocando seu corpo. Mesmo assim, sua blusa cinza com botões beges estava fechada até a altura de seu pescoço em meio a seu tailleur; o conjunto era composto de uma saia e um paletó marrons. Suas coxas se comprimiam espremendo entre si o tecido de sua vestimenta que chegava até a altura de seus joelhos.

O cabelo preto ondulado estava preso atrás da cabeça por uma scrunchie preta. Seus olhos castanhos não se fixavam nos papéis depositados sobre sua mesa, mas sim para o aparelho telefônico de disco, onde ela precisava girar os números para completar uma chamada. Carmen procurava fazer isso com cuidado evitando assim ruídos indesejados. O telefone no ouvido emitia intermináveis toques de discagem. Sua outra mão estava com o punho cerrado sobre as coxas enquanto seus olhos se fixavam na porta semi aberta da sala da gerência.

— Vamos Mi, atenda, por favor. Mi, atenda! Atenda! — Sua murmuração se assemelhava com um mantra de livramento. Mi tinha sido seu pilar de sobrevivência nesses últimos tempos e sempre quando Carmen precisava de auxílio buscava por ela.

Um barulho repentino deu a indicação de que alguém havia se levantado da cadeira na outra dependência. A apreensão de Carmen fez com que sua mão fosse ágil ao recolocar o aparelho no gancho. A porta se abriu por completo e um corpo surgiu através de sua abertura.

O homem tinha barba por fazer, os cabelos já não dispunham da mesma organização do começo do dia, entretanto isso não chegava a ser um problema, afinal apresentação pessoal não era uma de suas maiores virtudes. Sua camisa tinha três botões abertos deixando uma boa parte de seu tórax visível. No bolso do peito, a transparência do tecido permitia enxergar um maço de cigarro com embalagem colorida. A calça brim se encontrava surrada por mais um dia de trabalho.

— Alguém importante na linha? — Perguntou Homero com a voz amarga.

— Não senhor, alguém ligou, mas quando atendi, a ligação caiu. Acredito que foi apenas um engano.

— Engraçado, não ouvi telefone nenhum tocar.

— Não? — Carmen passou a mão pelo pescoço, numa clara atitude de nervosismo. — Ai, que cabeça a minha, na verdade estava tentando falar com minha filha. Ela deve estar impaciente me esperando no Western Whiskey Bar. Eu queria avisar que estou saindo neste momento para ir encontrá-la — soltou um risinho forçado.

O homem caminhou em sua direção, o que lhe causou uma certa apreensão. O cheiro de cigarro que seu corpo exalava a deixou desconfortável, ao vê-lo passar e seguir para as prateleiras do fundo da sala, garantiu-lhe um alívio momentâneo.

— Sinto muito fazê-la ficar até mais tarde hoje, — comentou Homero, abrindo uma gaveta aleatoriamente — sei que você tem a comemoração de sua filha, nesse tal de West alguma coisa, esta noite, mas eu precisava dessa tarefa executada com rapidez e por alguém com um mínimo de senso de organização. Coisa que é difícil de se achar nesta companhia.

O Veredicto (O conto virou livro)Onde histórias criam vida. Descubra agora