Capítulo 3 (parte 2)

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Carol


Nunca gostei de viagens longas. Odeio o silêncio extenso, as poltronas desconfortáveis, e o café morno que eles sempre servem nos aviões. Tem também as crianças choronas e os banheiros minúsculos, a bagagem que é quase sempre gorda demais pra caber naqueles compartimentos de cima. Só que dessa vez, nessa viagem em específico, nenhum desses fatores era realmente relevante pra mim.

A câmera de Natália estava no meu pescoço, flutuando, pendurada por uma cordinha de couro que eu nem percebi que segurava desde que embarquei no voo. Eu relembro tudo, tudo, tudo. Quando acordei ela já estava de pé, arrumada, linda, me encarando na beirada da cama. A camisa social azul, desabotoada até a metade dos seios, e por baixo uma regata branca. Linda, linda, linda.

Perguntei pra ela:

— Porque você não me acordou?

Ela se demorou um pouco no meu rosto, como se quisesse me gravar.

— É a minha última manhã com você — respondeu depois de um tempo — Eu quis te aproveitar um pouco mais assim.. descabelada, sonolenta, linda... Você é linda, Carol.

Natália se aproximou da cama e me puxou para um beijo de "bom dia", um beijo para o qual eu não estava preparada. Ainda sinto seus lábios pregados nos meus com gana, e ainda sinto o tecido no vão entre os meus dedos depois de tanto puxá-la para mim.

Falei novamente, ofegante e vermelha:

— Pensei que essa camisa fosse minha agora.

— Ela tem seu cheiro — Natália respondeu rápido — É por isso que por enquanto ela fica aqui, em mim, comigo. Pelo menos enquanto você não pode.

Depois disso, tudo o que antes era comum, parece ter entrado por um vão. Natália tentou não tomar café em silêncio, jogando piadas, me fazendo rir e quem sabe também tentando esconder a sua própria tristeza. Mas quando voltei do quarto arrumada, nossa ficha finalmente caiu.

Ela suspirou. — O que eu vou fazer sem você, hein?

Eu encaro São Paulo se afastando devagarinho através da janela, ficando cada vez menor. Em algum lugar daqueles pontinhos quase invisíveis estava Natália, dirigindo de volta para o nosso apartamento, xingando os faróis e escutando alguma coisa para se animar no caminho e talvez não pensar tanto em mim. Eu vejo ela entrando no nosso apartamento, olhando em volta e conversando sozinha como ela faz sempre, agora mais do que nunca. Talvez seja egoísta da minha parte desejar tanta saudade e falta de sono, mas não é egoísmo se o mesmo acontece comigo.

Durante quatro das vinte horas de voo, eu consegui dormir pouquíssimo, e enquanto os passageiros cochilavam em silêncio, eu revia todo o rolo da câmera nas minhas mãos.

Eu sabia que Natália tirava fotos minhas com frequência, o que não imaginei é que na maioria delas eu estivesse distraída. Não há nada no mundo que eu aprecie mais do que o olhar dela sobre tudo, existe tanta delicadeza na forma como Natália vê e retrata as pessoas, principalmente comigo. É isso o que me faz amá-la tanto, pelo menos uma das razões.

Me demorei em uma das fotos, nela eu estava com uma camiseta de banda, as pernas descobertas e descansadas sobre o sofá. Eu me lembro vividamente desse momento, aquela foi a nossa primeira noite juntas, intimamente e sob o mesmo teto. Natália estava no banho, até aparecer sorrateira na divisão entre a sala e o escritório, ela e sua câmera, sempre atenta ao momento que merece ser capturado. Eu nunca fui de saber a hora certa de nada, de me declarar, de propor casamento, de ir morar junto, de ir para o Canadá, mas ela sim, sabia tudo isso e ainda como tirar uma ótima foto — mesmo que sua modelo esteja despenteada e com uma caneca sem alças e muito desajeitada no seu sofá.

.... Esse é um pedaço de mim, Carol.

Relembro sua fala.

Nunca ninguém me deu um presente tão precioso. Mas nunca ninguém foi igual à Natália.

Numa outra, eu estava mais arrumada. Me arrumando, na verdade. As meninas tinham marcado um encontrinho no parque, algo simples que só descobri no final que tratava-se de uma festa de despedida. Estávamos atrasadas, muito, na verdade, simplesmente porque não pude me controlar vendo-a com um vestido vermelho sangue, justo, com uma fenda que quase lhe deixava nua da cintura pra baixo. A verdade é que eu era (sou) muito fraca quando o assunto é Natália. Me sinto na puberdade todas as vezes que ela encosta em mim, quando olho pra ela, quando penso nela.

Depois de uma manhã quente, nos demoramos mais na cama, se dependesse de Natália nem tínhamos saído daquele quarto, mas, sinceramente, se dependesse de mim também. Enquanto eu me arrumava e cobria os estragos que ela fizera no meu corpo, Natália permaneceu deitada, de camiseta e calcinha, atravessada na cama e olhando fixamente pra mim. Eu nem sabia da existência dessa foto, concentrada demais em ir rápido para notar a câmera em sua mão. Lembro de ainda ter cedido a alguns de seus carinhos, mas passei a maior parte do tempo brigando pra que ela se levantasse logo.

Por Deus, que saudade dessa mulher!

Eu encosto a cabeça no assento e tento dormir um pouco. Mal dormi noite passada, acordava a cada cinco minutos ansiosa demais para pregar os olhos. Nesse meio tempo, eu aproveitei para admirar Natália. Quando ela dorme é como se o mundo dormisse também, tudo fica tranquilo e silencioso, sem nenhuma perturbação, não mais. Olhando-a sou puxada para um nimbo, eu passo por seu nariz que dá espasmos fofinhos enquanto ela sonha, e depois as sobrancelhas espetadas que se mexem de vez enquanto, o pingente de prata caindo por seu pescoço. 

Sou hipnotizada, tanto que me deixo levar, mesmo aqui, mesmo longe, eu durmo e sonho com ela. 
















Perguntinha, amores, vocês preferem capítulos maiores ou assim está bom? 

Lembrando que se eu fizer capítulos maiores, vou demorar um pouquinho mais escrevendo e consequentemente não vou conseguir postar todos os dias. Mas me digam como vocês preferem e vou dar o meu melhor. 

Beijinhos!

Todas As LuzesOnde histórias criam vida. Descubra agora