Satan

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A sala de Sera é sufocante. Apesar dos tons pastéis nas listras do papel de parede, o divã azul bebê, a voz doce e baixa da terapeuta e o delicioso café expresso que ela serve para cada paciente, Alastor não pode evitar se sentir desconfortável perante a realidade dura e nauseante:

Seu casamento está por um fio.

Quem os olhasse há três anos, jamais pensaria que hoje estariam em uma terapia de casal para, bom, salvar o matrimônio de quase uma década. O tic tac incessante do relógio acima da porta agita os nervos do mais alto, que, internamente, está a beira de um colapso. Para a própria felicidade, aprendeu durante a adolescência a esconder suas emoções atrás de uma expressão impassível, não que significasse que elas deixaram de existir. Ele mantém os músculos faciais neutro, de pernas cruzadas e bate o indicador no joelho, a espera da próxima pergunta da terapeuta.

Lúcifer paira ao seu lado com a cabeça em outro mundo, como de praxe. Os olhos vazios, a boca semiaberta puxando ar e a mão apoiando a bochecha com o cotovelo encostado no divã. Al odeia essa cara de idiota que o marido faz quando está no tédio. É um dos motivos que os trouxe ali. A incrível capacidade do Morningstar de ser estupidamente apático quando não quer fazer algo.

Óbvio, não é somente essa causa. Alastor consegue listar ao menos trinta ações do loiro que o tiram do sério e outras, ele admite, que simplesmente o incomodam por serem infantis. Por exemplo, a irritante mania de Luci fazer piadas quando ele tenta citar os itens da sua lista em uma discussão.

Lúcifer Morningstar não é alguém de fácil convivência. Alastor aprendeu da pior forma.

Todavia, acima de qualquer listagem, o moreno o ama. E talvez seja o item primordial da lista 'motivos pelos quais devemos fazer terapia de casal'. Alastor não se vê com mais ninguém além de Lúcifer, ele sequer se interessou por outra pessoa sem ser o menor. O marido combina com ele, ainda que possua vários defeitos, encontraram um equilíbrio por anos, o qual somente iniciou o desmoronamento no sexto ano de casamento. Quando eles começaram a namorar, Morningstar não acreditou que fora o primeiro relacionamento sério de Al. A verdade é bem mais embaixo, porque ele foi o primeiro tudo do outro.

Quando Alastor mudou o nome Hartfelt para Morningstar, não assinou apenas o matrimônio civil, mas também condenou uma vida inteira ao lado daquele homem. Ele não iria voltar atrás sobre isso.

"Há quanto tempo estão casados?" A voz melódica de Sera o tira dos devaneios.

"Oito anos" O esposo responde sem rodeios. Quase que automático. Alastor prende a respiração por alguns segundos, sentindo o tique nervoso em seu olho esquerdo - mania que não conseguiu esconder.

"Nove." Corrige. Sente o loiro o encarar. Ele não vai se dar ao trabalho de olhá-lo de volta, afinal, esse idiota sequer sabe há quanto tempo estão casados.

A terapeuta ajusta os óculos retangulares finos no nariz e anota algo, provavelmente entretida com a reação dos cônjuges.

"Em uma escala de um a dez, quão felizes se consideram no casamento?"

"Oito." Os dois primeiros pontos foram perdidos quando o burro do seu marido errou o período de matrimônio.

"Oito? Sério, Hartfelt?" Ah, ele quis usar o sobrenome de solteiro. Outro costume incômodo de Lúcifer que está na lista de Alastor. Ele o chama de Hartfelt quando algo o estressa.

Isso não abalaria a serenidade de seu sorriso.

"Tem uma nota melhor, Morningstar?" O loiro bufa, preferindo não causar uma cena na frente da terapeuta.

"Oito." Responde a pergunta.

Mais uma anotação. O barulho da caneta azul incomoda. Para distraí-lo, ele toma um gole do café.

Sr&Sr. Morningstar || RadioappleOnde histórias criam vida. Descubra agora