Vinho

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“Você deve estar errada. Veja isso direito, Rosie.” A cabeça começou a latejar. Não era possível. Não poderia ser Lúcifer.

“Oh, amigo querido… enviei o vídeo, pode ver com os próprios olhos.”

Um arquivo de vídeo. Ele abriu.

Morningstar arrancando os óculos de proteção e as mãos que estavam há minutos em seu corpo dirigindo o buggy.

O sorriso triunfante por ter pensado que o matou. O maldito sorriso que ele tanto ama.

A explosão, o corpo voando. Era Lúcifer, não havia dúvidas. O homem que ele chama de marido mentiu todos esses anos, o enganou, tramou contra suas costas. Ele o usou todo esse tempo. Conseguir informações para a agência rival? Fingir ter uma vida comum para não levantar suspeitas? Será que todos sabem, menos ele?

Será que ela sabia?

Uma onda de raiva sobe pelo pescoço. Os braços tremem. O tique no olho esquerdo. Dor de cabeça.

Ele queria vomitar.

“Al.. você está bem?”

“Sim.” A voz era dura. Ainda com a notícia, ele estava bem. Precisava estar. Passou por coisas piores que uma mera mentira. Era isso. Só uma grande mentira, uma enganação conjunta contra ele. Está tudo bem. “Eu sei o que fazer.”

“Alastor, não faça nada sem..”

O moreno desliga e joga o celular no estofado.

Senta na cadeira do escritório, revira as gavetas da mesa sem cuidado e com brutalidade, não importa a bagunça, Lúcifer já deixou seu casamento um desastre. Cadê? Cadê a caralha do veneno? Xinga mentalmente. Os dedos trêmulos de ódio dificultam a procura. Resolve puxar com força a gaveta, derrubando os itens no carpete.

Um frasco do tamanho de uma noz cai. Agacha e pega com dois dedos. Encara o líquido transparente sem cheiro e gosto. Perfeito.

Recolhe um vinho da pequena adega e taças. Deposita o conteúdo na bebida. Há três anos, eles bebiam vinho em noites como essa. Daqui a dois dias será o aniversário de casamento deles. Seria um ótimo momento conjugal.

Esse mitomaníaco iria morrer.

Desce as escadas e vê o pequeno com sua camisa na mão, distraído. Tão aéreo que o corpo deu um salto quando viu que o maior havia chegado.

Deu seu melhor sorriso.

“Quer vinho, amor?” Coloca a garrafa na ilha. “Pelos velhos tempos.”

Lúcifer possui uma neblina na face, rugas entre as sobrancelhas. Ele quase deixou a blusa em mãos cair no chão. Quase pôde ver um vislumbre de algo se partir.

Entretanto, assume uma postura deliberadamente confortável. A confusão mental se esvai, dando lugar a uma persona confiante. Dois homens distintos se mostraram em segundos. Então era esse o verdadeiro Lúcifer Morningstar: um ator psicopata.

“Claro, querido.” Ele mantinha uma distância segura. Libera a roupa na ilha, sem tirar os olhos das mãos que seguravam o vinho. Analisa cada movimento de Alastor. O moreno abre a garrafa, deposita as duas taças na bancada e as serve. Com uma tranquilidade quase que doentia. Silencioso. Calmo.

O único barulho que cortava aquele silêncio maçante é do relógio de ponteiro acima da geladeira. O tic a cada minuto.

O loiro poderia fingir o quanto quisesse. Al via os dedos tremerem.

Outro tic.

A perna batendo compulsivamente no chão.

Outro tic.

Sr&Sr. Morningstar || RadioappleOnde histórias criam vida. Descubra agora