A casa 25 já estava com as luzes acesas apesar do céu ainda estar claro com os últimos raios do sol insistente de verão. Otto me puxou pela mão até a escadinha de três degraus e bateu na porta só para avisar que estava entrando, pois ele mesmo a abriu e só me soltou quando eu estava dentro da casa. Eu fiquei em silêncio o tempo todo, um pouco em choque com o que estava prestes a acontecer.
- Querida! Que bom te ver! - Lourdes disse ao me ver.
Ela veio da cozinha com um sorriso largo no rosto e os braços estendidos para mim me envolvendo em um abraço caloroso e apertado. Eu a abracei de volta, performando nosso primeiro abraço confortável e nada estranho.
- Vai ficar para o jantar? - ela perguntou alternando os olhos entre Otto e eu.
- Vai sim Vó, vou pegar mais um prato - ele se dirigiu a cozinha me deixando sozinha com ela.
- Que bom que vocês se acertaram!
- Não estamos mais namorando - eu disse no automático, parecendo um robô.
Ela cerrou os olhos comprimindo os lábios em um sorriso pretensioso.
- Por enquanto.
Otto voltou da cozinha com prato e talheres e os arrumou na mesa de jantar que já estava posta com uma travessa de empadão no meio, uma tigela com uma salada bonita e uma garrafa exageradamente grande de refrigerante. Nós nos sentamos e Lourdes foi partir o empadão servindo nossos pratos.
Ela e Otto entraram em uma conversa sobre Olga e Olavo nas férias da escola e eu me desliguei do assunto fazendo força para me manter sentada naquela cadeira ao invés de sair correndo pela porta até meu fusca e fugir dali.
- Falando sobre a Olga, eu preciso te contar uma coisa. - Otto disse com a voz apreensiva e me lançou um olhar enquanto respirava fundo. Ele ia puxar o assunto e provavelmente já tinha planejado essa conversa.
- Meu avô está querendo começar os treinamentos de projeção com ela, mas eu estou preocupado.
- Não acho que sua irmã precise disso - Lourdes falou de cabeça baixa enfiando uma rodela de tomate na boca.
- Eu acho que ela precisa do treinamento, mas acho que meu avô não é a pessoa certa pra isso.
- Com certeza ele não é. - a voz dela ficou mais grave e as rugas da testa se acentuaram.
Otto me olhou novamente com um brilho no rosto que parecia que ele tinha chegado ao ponto que ele queria.
- Por que você acha isso, vó? - ele passou a evitar olhar para ela se concentrando em reunir todos os farelos da massa do empadão no canto do prato, e eu confirmei naquele momento as minhas suspeitas de que Otto era péssimo em esconder informações. Suas ações eram transparentes demais. Bastava conhecer um pouco dele para notar que ele estava completamente desconfortável, pensando demais nas suas palavras, evitando contato visual e a sua voz estava mais aguda. Otto era um péssimo mentiroso e finalmente constatar isso me gerou um conforto que era inadequado para o momento mas que eu precisava sentir. Eu podia acreditar em Otto.
- Seu avô é perfeccionista e exigente demais. Tenho medo dele pressionar demais a Olguinha e... - ela parou de falar no meio da frase como se pensasse melhor no que ia dizer e olhou para mim.
- E ela terminar como meu pai? - Otto concluiu por ela.
Lourdes assentiu respirando fundo como se aquele fosse um assunto delicado e que claramente ela não estava confortável de falar sobre isso, principalmente na minha presença.
- Eu não confio mais no meu avô - Otto confessou.
- O que aconteceu? - Lourdes disse surpresa com a voz mais aguda parecendo cada vez mais incomodada com o rumo da conversa.
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À Flor da Pele
Ficción GeneralAline é uma menina de 17 anos que é bem solitária por causa de uma capacidade que considera bem inútil: ela projeta seus pensamentos. Depois de se envolver em um mal entendido na escola ela conhece Otto, um garoto com a mesma capacidade que ela que...