Meus dias monótonos trancada dentro do quarto evitando meu pai ou dirigindo sem rumo por aí ouvindo músicas no último volume estavam acabando. Carlos todo dia me pressionava a tomar alguma decisão sobre o rumo da minha vida.
O que ele queria: que eu me matriculasse em uma faculdade de administração, ou que eu entrasse em um curso de gastronomia. O que eu queria? Eu não fazia ideia.
Mas eu não tinha mais como adiar uma decisão, mesmo já sabendo que precisava viver e me conhecer pra saber o que eu queria de verdade. De certa forma eu sempre me senti confortável estando encurralada no destino final de herdar o restaurante. E eu sabia que o meu desinteresse nos negócios e na culinária deixava meu pai tenso, na constante iminência de ter que mudar todos os planos.
Mas será que ele mudaria os planos? Será que se eu decidisse viajar pelo mundo por um ano ele aceitaria? Ele entregaria a responsabilidade do restaurante para outra pessoa?
O Melandre's sempre foi o sonho do meu avô e Carlos partilhava da mesma paixão. Foi muito conveniente para ele herdar um negócio que já estava pronto e consolidado, com uma clientela fiel e engajada. Mas qual era a minha paixão? Será que eu deveria me dar uma chance de me apaixonar pela rotina do restaurante? Ou será que eu deveria sair em busca da minha verdadeira paixão?
- Vou começar a trabalhar no restaurante. - eu anunciei durante o jantar ignorando todos os "serás" que pulsavam nos meus pensamentos.
- E já sabe em qual área vai querer trabalhar? - Carlos tentava esconder a alegria mas sua voz tinha um timbre de empolgação que era raro de ouvir.
- Pensei em fazer um rodízio e experimentar as coisas, descobrir do que eu gosto mais.
- Combinado. Quer começar amanhã? - ele puxou o celular do bolso e começou a olhar a escala - Posso te colocar no caixa amanhã.
- Pode ser - disse um pouco desanimada e enfiei um pedaço de pizza grande demais na boca.
- Se anime filha, seja otimista. Você vai amar trabalhar no restaurante!
Eu forcei um sorriso de boca cheia e isso foi suficiente para meu pai parar de falar e se distrair com o celular.
Quando terminei de comer fui para o quarto e encontrei uma mensagem de Otto no meu celular.
Otto: Queria ter te mandando essa mensagem antes, mas meus dias têm sido bem complicados por aqui. Como você está?
Aline: Tudo bem. Conheci sua prima ontem, a Rayssa.
Otto: Ignore tudo o que ela fala, ela é louca!
Aline: hahaha, ela parece ser bem protetora com você né?
Otto: Não preciso de proteção, você não é uma ameaça.
Aline: Talvez eu seja uma ameaça para os seus cookies perfeitos.
Enviei um emoji de biscoito e um emoji de fogo e Otto respondeu com um gif de um gato rindo.
Era fácil conversar com ele e eu sentia falta disso. Sentia falta da nossa amizade além das outras coisas.
Otto: Podemos nos encontrar pra continuar conversando? Prometo que te levo alguns cookies e que não vão estar queimados.
Aline: Tentando me comprar com cookies, é?
Otto: Se funcionar, serei um cara feliz.
Aline: Tudo bem. Me diga onde e quando.
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À Flor da Pele
Narrativa generaleAline é uma menina de 17 anos que é bem solitária por causa de uma capacidade que considera bem inútil: ela projeta seus pensamentos. Depois de se envolver em um mal entendido na escola ela conhece Otto, um garoto com a mesma capacidade que ela que...