Prólogo

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São Paulo, 2010

POV Karina

-Porque ninguém fala de como espelhos são incríveis? Cara, é uma placa que reflete a nossa beleza! Sinto que não damos valor o suficiente pra essa criação incrível!

-Ah Karina, fala sério! Já deu de pó pra você hoje- disse Jéssica rindo do meu devaneio.

Jéssica é a maior chata, idiota e estraga prazeres desse mundo. Ah, ela também é a minha melhor amiga nesse mundo, então eu relevo. Jéssica Alves tem 18 anos e sinto que é a única pessoa que me entende, a única que não me trata como criança. Sei que sou nova ainda, tenho apenas 14 anos, mas isso não quer dizer nada. Idade é apenas um número, certo?
Jéssica conhece muita gente maneira, consegue sempre arrumar ingressos de festas e drogas pra gente de graça, além de me apresentar pra muitos amigos interessantes.

-Garotas, preciso ver a identidade de vocês.

Droga! Somos paradas por um segurança no caminho de volta pra pista de dança. Sei que acabei de dizer que idade é apenas um número, mas uma adolescente bebendo e cheirando pó numa balada às 2hs da madrugada não costuma ser vista com bons olhos pela maioria das pessoas. Felizmente Jéssica conseguiu descolar uma identidade falsa maneira pra mim.

- Senhorita Karina Molina Carmo, me acompanhe por favor.- fiz o segurança após ler as informações na minha identidade.

Merda. Merda merda merda. Com o nervosismo do momento, acabo por entregar a minha identidade verdadeira. Como sou burra! Olho apavorada procurando Jéssica, mas ela já sumiu na multidão.
Pensei que me levariam até a sala de administração da balada ou algo assim, mas em vez disso sou "convidada" a entrar numa viatura e me encaminhar à uma delegacia. Ouço coisas desconexas dos policiais, conselheiros tutelares e da minha mãe que imagino serem sermões e reclamações sobre meu comportamento mas estou louca demais para discernir.
Somos liberadas por volta das 6:00 da manhã sob a promessa de mamãe de que iria tomar providências e isso jamais se repetiria, já estou sóbria o suficiente pra identificar a falsidade da minha mãe, mas me limito a revirar os olhos. Como se ela se importasse minimamente com o que faço ou onde estou.

-Ah, sua amiguinha Jéssica tava aqui mais cedo e te entregou. Disse que foi você quem teve a ideia da identidade falsa e você quem comprou as drogas. Me pediu pra te dizer pra não procurá-la mais. O policial só te liberou porque você é menor de idade.

Estou com tanta raiva que não tenho forças nem pra desmentir. E sei que é óbvio que a filha da puta da Jéssica faria algo do tipo. Entramos no carro e vamos para casa em silêncio por todo o trajeto, eu sentia apenas os olhares de desgosto que minha mãe lançava para mim. Ao entrar em casa vejo a figura repugnante de Ronaldo, namorado da vez da minha mãe, estirada no sofá.

-Qual a merda que essa irresponsável aprontou dessa vez?- gritou ele. Lhe mostro o dedo do meio e continuo em silêncio até o meu quarto.

Fico trancada no meu quarto sem ser incomodada pelos próximos dois dias que se seguem. Parte porque não queria ouvir mais sermão da minha mãe, parte porque não queria sentir os olhares asquerosos de Ronaldo sobre meu corpo. Faz apenas dois meses que ele está com a minha mãe e ela já o colocou pra morar conosco. Eu até tentei pedir ajuda a minha mãe e contei sobre os frequentes assédios que sofria de seu namorado, mas só ouvi comentários como "você que deve estar se oferecendo pra ele" e "a porta da rua é serventia da casa". De qualquer forma, não deve demorar muito pra ela dar um pé na bunda dele e se enroscar com o primeiro macho que ver pela frente.

No terceiro dia após o incidente da balada, resolvo sair da minha caverna. Ir à escola é a última coisa que quero fazer no momento, mas se chegar outra reclamação para a Dona Encrenca eu estou ferrada. Minha mãe não se importa comigo, mas se importa em manter uma imagem de boa mãe. Sou severamente castigada sempre que faço algo que possa mostrar aos outros que ela não está nem aí, então sei que as consequências da minha aventura noturna ainda estão por vir.

Chegando ao corredor, estranho a casa arrumada e ouço minha mãe tendo uma conversa um tanto duvidosa com um estranho na sala de estar. Me escondo para conseguir ouvir melhor.

- ... mas com a condição de que não verá mais a menina, ela será nossa. Tenha certeza de que está fazendo a escolha certa, senhora Carmen- disse o estranho- já recebemos inúmeros jovens inconsequentes no Cosme e Damião e demos um futuro brilhante a todos eles! E o melhor de tudo, ela não será mais um problema seu.

-O que está acontecendo, mãe? Quem é esse homem? Do que ele está falando?- meu coração está a mil, eu só posso ter entendido errado. Minha mãe está querendo me entregar à uma instituição?

Ao me revelar, reconheço o estranho da delegacia. Na ocasião, minha mãe havia conversado com ele por longos minutos, mas eu apenas o vi de relance.

-Karina, arrume as suas roupas em uma mala. A partir de hoje você irá morar no Orfanato Cosme e Damião. Quem sabe você ainda tem alguma solução nessa vida...- vejo o homem sorrir ao constatar que minha mãe já se decidiu.

- Mãe, você não pode fazer isso, é loucura! - tento trazer minha mãe de volta a realidade. Ela não pode estar falando sério.

- Olá Karina, respondendo a sua pergunta, me chamo Júlio. Júlio Torres.
Não será necessário malas, senhora Carmen, o Orfanato Cosme e Damião prega que a modéstia e a humildade formam homens de grande caráter. Tudo que a Karina precisará será fornecido pela instituição.- minha mãe sorri ao ouvir Júlio falar.

-Eu não sou sequer órfã! Mãe, por favor!- imploro novamente, sem sucesso. Ela estava certa de sua escolha.

-O Cosme e Damião não abriga somente órfãos, Karina. Somos uma instituição que visa construir um futuro de homens de bem, recebemos muitos jovens perdidos e inconsequentes como você é os transformamos em pessoas boas. Agora vamos, está na nossa hora. Carmen, por favor, confira e assine o contrato- disse o homem entregando um envelope a minha mãe.

Ela tira um bolo de dinheiro de dentro do envelope, conta e assina o papel que estava na mesa. É definitivamente muito pior do que eu pensei. Sinto um embrulho no estômago e vejo o mundo girar. Só consigo dizer:

- Mãe, você... me vendeu?

E apago.

Angels Like You- VERONITAOnde histórias criam vida. Descubra agora