Bom dia, Anita

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Passei todo o jantar da noite anterior quieta. Não posso negar que a comida estava realmente boa, mas na fome que eu estava àquela altura, até a gororoba de Carmen seria um banquete. Fui levada ao quarto junto com várias outras garotas, com idades entre 12 e 18 anos. Pelo pouco que eu entendi, meninas e meninos dormiam em alas opostas do edifício de estrutura antiga. Demorei a pegar no sono, perdida em meus pensamentos. Pensei sobre o delegado Júlio Torres e em como já estava tudo previamente conversado com Carmen desde o incidente da balada. Cheguei a conclusão de que, se Carmen teve coragem de me vender, não deveria mais ter o direito de ser chamada de mãe. Pensei muito sobre Mathias, Helena e o Orfanato. Comecei a arquitetar planos de fuga e decidi que me aproveitaria dos mínimos deslizes que eles tivessem para fugir desse lugar. Mas uma voz ecoava dentro de mim: "Fugir para onde? Em meio a todo esse caos de pensamentos, dormi.





Na manhã seguinte, acordo com um sobressalto ao ouvir um sino. Olho ao meu redor todas as meninas vestidas e com os cabelos impecavelmente presos em um coque, aparentemente o penteado é tão padronizado quanto o uniforme. Vejo o céu pelo vidro da janela e que droga! O sol ainda nem raiou!

-É melhor se arrumar logo, novata. Não toleram atrasos por aqui.

-Eu não ligo. Ninguém aqui manda em mim!- digo me virando e fechando os olhos novamente.

O sino toca novamente e todas as garotas saem do quarto como um exército de soldadinhos de chumbo, patéticas. Alguns minutos após elas saírem, ouço o barulho de saltos adentrando o cômodo. Que inferno, não se pode dormir em paz nesse lugar?

-Senhorita, você está atrasada. Creio que já fora avisada sobre a exigência do cumprimento de horários na nossa instituição.- uma mulher ruiva diz ríspida ao pé da minha cama- levante-se imediatamente!

A ruiva estava vestida elegante, mas suas roupas não pareciam tão caras como as de Helena. Não me dou ao trabalho de respondê-la e apenas cubro a cabeça com o cobertor. Ouço os passos se afastando e comemoro em silêncio por tê-la vencido tão facilmente, até que ouço os passos se aproximando novamente. Que ótimo! Imagino que a ruiva irá reclamar novamente e tapo os ouvidos, mas sou atingida por um balde de água fria. Me levanto num sobressalto e grito:

-QUE MERDA! VOCÊ É LOUCA?

Sou atingida novamente, dessa vez com um tapa na cara. Constato que estou de fato em um hospício. Quem essa puta pensa que é?

-Se troque agora, você já perdeu o café da manhã. Mathias quer conversar com você. Se não se trocar imediatamente, te arrastarei até a sala dele do jeito que está.

Ainda em choque pelo banho e pelo tapa, resolvo obedecer. Após me trocar, sou levada à sala da direção, conforme li no letreiro. A ruiva bate na porta e esperamos autorização para entrar. Entro na sala ao ouvir o comando de Mathias e encontramos Helena de saída.

-Bom dia, Anita!- diz ele com o sorriso de sempre.

Olho para a ruiva atrás de mim esperando que a mesma responda ao cumprimento.

-É com você mesma que estou falando. Este será seu nome daqui pra frente. Olhe!-  Mathias aponta para alguns papéis em cima da mesa e me aproximo para ver.

Eram documentos novos. Minha foto, minha idade, nome diferente. Anita Berlinger. Confesso que sempre odiara meu nome: Karina Molina. Que nome de perdedora. Eu podia me acostumar com esse novo.

-É mais forte, imponente... A partir de agora, você será Anita Berlinger. A Karina morreu, assim como a sua antiga vida. Pequena, me escute. Nada disso é por acaso, você foi escolhida porque é bonita, forte e inteligente.- senti meu rosto queimar. Nunca me senti especial, nunca ouvi elogios assim. Carmen sempre fez questão de me colocar para baixo e deixar claro que eu não passava de um estorvo na sua vida- Vamos te transformar na maior potência que você pode ser, mas para isso você precisa nos ajudar.

Mathias me mostra fotos e artigos de jornais que mostravam diversos ex-internos do Orfanato. Policiais, advogados, juízes, promotores... todos muito bem sucedidos. Parei para analisar o lugar em que estou: eu não tinha para onde voltar. Minha mãe havia me vendido e eu não tinha parentes próximos. Ainda que eu conseguisse escapar daqui, para onde eu iria? Na minha cabeça, não fazia sentido ir morar debaixo da ponte sendo que aqui eu teria comida, segurança e a promessa de um bom futuro. E bem, por mais que os funcionários daqui fossem chatos e rígidos, Mathias vêm sendo gentil comigo desde que nos conhecemos.

-Irei me comportar melhor daqui pra frente, senhor.- prometo sincera.

-É bom que seja assim mesmo, pequena.- diz ele sussurrando em meu ouvido- Você tem muito potencial!

Angels Like You- VERONITAOnde histórias criam vida. Descubra agora