Desalento

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1978

Caetano'

Faz quatro anos que estou morando em Salvador, um apartamento grande e vazio. Gil me visita de vez em quando, até que é bom passar o tempo com ele. Gal e Bethânia estiveram aqui há dois meses, já estou morrendo de saudades. Não sei nada sobre Chico, só o que passa nas revistas. Os discos que gravou eu comprei, discos que não pediu minha opinião sobre as letras, nem escutamos juntos logo que lançou. Não recebi cartas suas, não sei como está.

Os dias se tornam sempre os mesmos. Eu acendo um cigarro, coloco um disco para tocar, choro, às vezes bebo, choro de novo, e acendo mais um cigarro.

Será que é só eu que ainda o amo? Apesar dos anos, sempre será ele. Tocarei no seu nome para poder falar de amor, mas continuarei mentindo caso me perguntem se ainda tenho sentimentos por ele.

/•\

Acordei mais tarde que o normal, e quando levantei fui comer algo. Estava sem fome, então comi só uma fruta. Fui até a sacada para tomar um ar. Vi as pessoas lá em baixo, uns saindo de seus empregos para horário de almoço, outros apenas de passeio.
Eu queria ir lá em baixo, peguei algumas revistas de semanas atrás em casa, então as coloquei em uma sacola e fui colocar na lixeira, lá em baixo.

Na escada cumprimentei um vizinho que estava de chegada, e na portaria não tinha ninguém, estranho, o porteiro sempre estava lá.

Coloquei a sacola na lixeira, e o porteiro estava lá fora, conversando com um homem. Quando me viu entrou junto.

- Boa tarde, senhor

- Boa tarde - disse com um sorriso.

- Hoje um homem passou aqui e deixou isso, para o senhor. - Me entregou um envelope branco, sem nome.

- Quem?

- Ah, não sei não. O homem não deixou nome nem telefone. Mas ele era lindão.

Eu ri.

- Como ele era?

- Um pouco alto, cabelos pretos e meio encaracoladinho, olhos azuis. Falava bonito e usava um perfume forte, parece colônia italiana.

Fiquei parado alguns segundos, pensei em jogar fora, mas eu precisava ler.

- Ah, eu sei quem é. Muito obrigado, Jairo. Tenha um ótimo dia.

- Um ótimo dia para o senhor também

Subi as escadas correndo, entrei em casa e me sentei no sofá
Abri aquele envelope, tirei o papel que havia dentro e li.

Meu amor, meu amado Caetano.

Passei quinze dias em Salvador, e todos os dias passei na frente de seu prédio. Pensei em te chamar para conversar, ou entregar uma carta, mas desisti. Não sei como você está, não sei se ainda me ama... Todos os dias desses quatros anos pensei em você, em como nos amávamos. Quero que saiba que eu chorei, quero que saiba que eu morri de arrependimento. Também quero lhe pedir perdão por não te procurar, perdão também por ainda te amar. Minha figura nas revistas ainda é de felicidade, mas não sabes como sou infeliz, estou sozinho e sem saber de mim. E seja lá como for, por amor, por favor volte.
Os primeiros dias sem você foram complicados, eu rodei, eu bebi, eu caí. Todos os dias me pergunto se estou na sua mente tanto quanto você está na minha. Você é o amor mais intenso que já senti. Me considera um homem besta por apesar dos pesares ainda te amar? Você se tornou morador da minha mente, afinal, já estava alojado em meu coração.

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