15- Coragem

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   Charlotte Austin:

Me sento embaixo de uma árvore, ponho meus fones de ouvido e começo a vagar. Fazia tempo desde a última vez que eu tinha visto a Engfa, tentei não pensar mais no assunto, fingir que ela nunca tinha sido ninguém para mim, minha agenda lotada me ajudou com isso, mas tem horas que nós não podemos fugir dos nossos próprios sentimentos.

Tem horas em que eu fico sozinha, e toda a minha realidade cai em cima de mim, o peso das coisas que eu mesma fiz e das que eu deixei de fazer, penso em ligar ou tentar encontrar ela, mas eu não tinha coragem de olhar para o rosto de alguém que eu tinha amado tanto, e que infelizmente era o rosto da pessoa que eu havia machucado, desprezado e diminuído.

E então eu a vejo, depois de várias semanas, ela parecia feliz com a Faye, meu coração doí de ter que observá-la à distância, sem poder tocar ela, ouvir sua voz, sentir seu cheiro. Mas eu tinha escolhido isso, não posso fugir de uma escolha que eu mesma fiz. Meu olhar se encontra com o de Faye, sinto meu corpo gelar. A mulher mais velha me encara por alguns segundos, não consegui interpretar sua feição.

Desvio meu olhar e volto a caminhar, dessa vez para mais longe delas, considero a possibilidade de a Faye falar para Engfa que havia me visto. Ela iria querer me ver? Provavelmente não. Mas e se? O que eu falaria para ela?

Olho para a paisagem, e começo a imaginar como eu estaria agora, se aquela noite nunca tivesse acontecido, se eu estivesse com a Engfa nesse momento, sentadas debaixo dessa árvore, conversando e aproveitando a presença uma da outra, talvez ouvindo música e comendo alguma coisa, mas de uma coisa eu tinha certeza, eu estaria muito mais feliz se ela estivesse comigo.

Teria valido a pena abrir mão do nosso relacionamento por medo dos meus próprios sentimentos? Será que ter me envolvido com a Lux foi um dos meus maiores erros já que agora eu estava presa?

Pego meu celular e volto em nossa última "conversa", por muito tempo a Engfa nem tinha visualizado a mensagem, mas a poucos dias atrás a mulher mais velha havia visto, eu esperei uma resposta, mesmo que esta fosse um pedido de afastamento, mas ela não respondeu.

Olho para o lado e vejo Faye e Engfa caminhando até o carro delas, meu coração dispara de novo. Eu devia ir lá falar com ela. Observo a caminhada delas, ambas conversavam sobre qualquer coisa, me levanto, mas não consigo me aproximar, eu estava com medo. Medo de conversar com ela de novo, medo da reação dela, medo de me expor, medo de levar um fora. Mas eu merecia.

E se ela ficasse chateada por lembrar da minha existência? Talvez seja melhor eu apenas me sentar de volta, até porque, se ela não respondeu as mensagens significa que ela não quer conversa comigo. Me sento e apoio a cabeça na árvore, não era uma boa ideia falar com ela, ainda mais depois de semanas, eu sentia saudade, mas isso não significava que ela também o fazia.

Fecho meus olhos, não adiantava ficar pensado nisso, sinto a brisa suave do dia balançar meu cabelo, caio dentro de uma fantasia na minha cabeça, penso em um universo paralelo, onde eu havia dito que a amava. Era mais vergonhoso e arriscado, mas o final era o mais feliz de todos, onde eu podia tê-la sem outros problemas, eu tinha aceitado amá-la e nós passaríamos por todas e qualquer dificuldades juntas.

Sinto um toque suave no meu ombro, abro o olho assustada, olho para o lado e a vejo, Engfa estava ali, seu olhar era frio, nada parecido com o que ela costumava ter antes daquela noite, me levanto rapidamente e encaro ela, não tinha coragem de falar.

Engfa: Oi -esse era o oi mais seco de toda a minha vida- Vai fingir que não me viu?

Charlotte: Oi, eu...eu não sabia que você estava aqui. Que coincidência.

Engfa: Claro que sabia, a Faye me falou.

Desvio o olhar, sabia que a Faye iria falar, fico morrendo de vergonha, olho para o parque, o clima estava bem ameno, seria o dia perfeito se não fosse pelo pequeno fato de a Engfa estar parada bem na minha frente, aparentemente muito brava comigo.

Charlotte: Desculpa -minha fala saiu quase como um sussurro.

Engfa: Não me importo, não faz diferença você fingir ou não que sabia que eu estava aqui.

Charlotte: Não, desculpa por aquele dia.

Ela fica em silêncio, tomo coragem e olho para os olhos dela, a expressão em seu rosto estava indecifrável, talvez raiva, talvez tristeza, não dava para saber.

Engfa: Se é isso que sente você não deveria se desculpar.

Charlotte: desculpa pelo jeito que eu te falei tudo aquilo.

O silêncio voltou a se instalar entre nós, mas agora eu tinha certeza do que ela estava sentindo, seus olhos se encheram de lágrimas e ela cerrou os punhos e me olhou com um olhar feroz.

Engfa: realmente Charlotte, você não pensa muito nas coisas antes de fazê-las.

Charlotte: Me desculpa Engfa, eu...

Engfa: Você o que? -ela pergunta em um tom debochado e irritado, as lágrimas corriam pelo seu rosto- Seu problema é que você nunca enfrenta nada Charlotte, nada na sua vida. Se o que você sente pela Lux é tão forte assim, por que você não luta por isso? Olhe para mim e diga que você quis dizer o que disse naquele dia. Você não consegue, não é? É uma covarde.

Queria poder sentir raiva dela, e então esquecê-la para sempre, mas a verdade é que ela estava certa. Eu não conseguia fazer nada, nem confirmar o que eu disse aquela noite, nem dizer que era mentira.

Engfa: Você não tem coragem de conversar comigo, que fui sua amiga por esse tempo todo, quem sempre te apoiou em tudo. Você não teve coragem de ir atrás de mim, você não teve coragem de admitir que tinha me visto hoje mais cedo. Você não tem coragem de fazer nada.

Charlotte: Você está certa -a expressão no rosto de Engfa suaviza, ela me encara levemente surpresa- Me desculpe -eu falo baixo- eu não tenho coragem de olhar para você depois do que aconteceu.

Me sento de novo, meus olhos estavam cheios de lágrimas, eu não sabia o que falar, não tinha como eu me desculpar sem dizer que eu a amava, e seu eu falasse isso e ela iria me rejeitar, mas se eu não falasse ela iria ficar tão decepcionada comigo.

Engfa: Então é isso? -ela fala em um tom de voz baixo e claramente magoado- você não vai falar nada?

Charlotte: Você me odeia?

Ela me encara, tudo se resumia em nós duas, nesse momento, prendo minha respiração.

Engfa: Você acha que eu te odeio?

Charlotte: Eu te perguntei primeiro.

Engfa: Nem que eu quisesse muito eu não conseguiria te odiar. – a olho, ela não chorava mais, mas tinha uma expressão vazia em seu rosto- Nem depois de tudo o que aconteceu eu consegui deixar de te amar.

Charlotte: Você...

Engfa: Eu te amo, e eu entendo que nem sempre os sentimentos são mútuos, mas eu queria que ao menos VOCÊ lutasse pelo que sente.

Ela se vira de costas e caminha para longe de mim, eu não conseguia absorver o que ela falou, já suspeitava que a mais velha tinha começado a alimentar algum sentimento por mim, mas eu não esperava que ela admitisse isso tão cedo. Ela foi corajosa e se abriu para mim, se deixando tão exposta e sujeita a qualquer julgamento vindo de mim. Eu queria ter tido essa coragem, eu observo ela indo para longe.

My Type -Blank the seriesOnde histórias criam vida. Descubra agora