22 - PARALLAX

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PARALLAX (s.f.) do latim significa paralaxe. Ausência aparente de deslocamento pela mudança do ponto de vista do observador.


Roberta

Existem pacientes que nos tiram dos eixos, a Caroline tem sido uma delas. Principalmente pelo fato da negação ao possível e necessário tratamento, mas como eu sou boa em atingir o ponto fraco quando necessário, eu estou usando da minha melhor psicologia para tentar convencer de que ela precisa de ajuda. Sem a minha ajuda e ajuda de acompanhamento psicoterapêutico, ela não vai conseguir ter os familiares por perto novamente e honestamente? Tirando a profissional, falando enquanto pessoa física, eu não tiro razão deles, não depois de tudo que houve e que eu ouvi durante o tempo de internação da Rosamaria. Cada um tem uma dor particular e uma dor muito pulsante das vivências com ela durante anos e meses então tomar confiança de todo mundo é muito complicado, contudo meu trabalho vai fazer justamente com que ela entenda que é difícil mas não impossível, basta dar o primeiro passo.

As nossas primeiras sessões foram bastante proveitosas, mediante a muita conversa, e muita troca, ela tem resistido menos e me falado mais sobre a dificuldade de aproximação principalmente com os filhos que diz sentir muita falta. E mais uma vez meu trabalho tem sido no ponto fraco, e fazer com que ela perceba minimamente por que que ela perdeu contato com os filhos e o que ocasionou essa perda, e o que mais ela me disse, é que ela simplesmente não sabe chegar porque ela não é bem quista e nem  bem recebida por eles principalmente pelo filho mais velho.

Chegamos ao que eu chamo de início da reparação, hoje eu acredito que esteja sendo uma das sessões mais difíceis pra ela porque eu não tenho a menor pretensão de não expor tudo que está diante dos olhos dela e ela se nega a ver. Desde que chegou está inquieta eu posso dizer inclusive que ela não fala coisa com coisa, mas sempre está tentando se eliminar dessa culpa e dizer que o outro é o causador de tudo quando ela já está entendendo que ela mesma se enfiou nesse buraco.

— O que eu quero que você entenda Carol, é que o princípio, a causa número um da sua vida está do avesso, como você está me relatando durante todas essas sessões é você. E é você que vai decidir o que você vai fazer daqui pra frente, eu não posso simplesmente dizer o que você deve fazer. Eu estou aqui como um apoio externo, eu não vivo sua vida dentro da sua casa, eu não tenho a sua família, sou uma profissional que atende às outras pessoas que têm problemas iguais ou piores que você. O primeiro passo Caroline precisa ser dado, seu filho não vai querer te ter por perto se você continuar resistindo, falando que essa culpa você não carrega, você é adulta, você é mãe de um adolescente, é mãe de uma menina pequena, que ama você, mas que também já consegue entender que você faz mal pra ela, mesmo que indiretamente. — Durante todo o tempo enquanto eu falava suas pernas não paravam de se mexer em sinal claro de inquietação e desconforto — Eu sei que é difícil, eu sei que dói mais eu não posso te dar o caminho das pedras se você não quiser seguir o caminho das pedras, esse é um trabalho meu com você, seu comigo e eu não faço nada sozinha, consegue entender? Eu posso falar tudo de mais bonito e maravilhoso que vai entrar por um ouvido e sair pelo outro, isso não é terapia, isso é um jogo de uma pessoa só, e eu gosto de jogar com dupla.

— Acontece Roberta que foi você que causou tudo isso, eu estava bem você me cutucou a ponto de eu vir aqui esse tempo todo, ouvir o que você diz, dizer o que eu sinto e nada mudou até agora. Eu não consigo chegar nas crianças, eu não consigo chegar nas minhas amigas, na verdade eu não sei se eu ainda tenho amigas. Eu estou desconfortável com a minha própria família, e eu consigo pensar que era pra ter acontecido alguma coisa já, e você simplesmente não fez nada além de mexer mais e mais com a minha cabeça.

— Eu já falei que eu não vou fazer nada, quem tem que decidir o que fazer é você! Eu estou fazendo meu trabalho, do jeito que eu posso, mas se você não quer dar o primeiro passo e sair da sua zona de conforto, admitir que você tem culpa, meu trabalho não vai servir de nada. — Dei de ombros sem deixar de encará-la — É uma engrenagem que não trabalha sozinha, eu arrisco dizer que você procurou, você se deixou levar por um bem maior seu trabalho, sua vida profissional excelente exemplar, e deixou sua família de lado. Isso é só a vida mostrando que não é bem assim, eu vou torcer muito para que as coisas mudem daqui algum tempo porque, de uma hora pra outra, é impossível.

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