Capítulo 6

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St. Augustine, Flórida

Toda aquela história de Joyce me deixou com dor de cabeça.

Não que eu não acredite, mas é uma história estranha para um convento de freiras antigo. Acho que Joyce tem visto muitos filmes de terror na casa de repouso onde mora.

São quase cinco horas da tarde, o que significa que passei o dia inteiro ao lado de Joyce ouvindo suas historinhas de terror. Brenda me ligou assim que a Hamilton dormiu, me dando uma brecha para ir visitá-la.

Neste momento estou dentro do carro em frente à casa onde passei os melhores anos da minha vida.

Não é uma casa diferente das outras do quarteirão. Tem um tamanho médio, cor branca e telhado cinza, com uma varanda coberta e um pequeno quintal na frente onde eu costumava brincar quando criança. E como todas as outras, foi inteiramente construída com madeira.

Meu carro está desligado há quase cinco minutos inteiros e eu nem sei por que estou hesitando tanto em falar com Brenda. Talvez por medo. Mas de quê? De mim?

Respiro fundo, pego minha bolsa no banco ao lado e saio.

De frente à porta da frente, me vem à mente a última vez que passei por essa porta e com isso a memória da discussão que tivemos. Quando o Marcos morreu, nós brigamos por um motivo idiota e é claro que a culpa foi minha. Não deixei que ela ficasse comigo no hospital depois do acidente e falei coisas horríveis para ela. Desde então só nos vimos no funeral do meu filho e só nos falamos por mensagem de texto. Exceto hoje, quando ela me ligou e pediu que eu viesse.

Toco a campainha e não demora muito para Brenda abrir a porta, restando apenas a tela transparente entre nós. Ela está ótima, como sempre: seus olhos castanhos são destaque no rosto claro sem maquiagem alguma, o cabelo ruivo escuro está preso num coque e o avental branco está coberto de farinha. Brenda sempre aparentou ser mais jovem do que realmente é.

Seu rosto se ilumina quando me vê e um grande sorriso se faz presente em seus lábios. Isso me tranquiliza um pouco.

- Helena, minha querida!

Brenda empurra a tela e me abraça. Seu abraço é meio desengonçado por ter me pego de surpresa, mas logo consigo sentir o conforto de seus braços ao meu redor novamente. Nem sei dizer o quanto senti falta do cheiro dela e do conforto materno que apenas ela me traz.

- Venha, entre! entre!

Sigo Brenda para a grande sala, de onde já se pode sentir o cheiro de biscoitos assando no forno da cozinha. Inspiro fundo para capturar o aroma da casa e estranhamente me sinto bem fazendo isso. Está tudo exatamente igual!

Brenda seguiu para a cozinha e agora tira uma bandeja com biscoitos do forno. Entre a sala e a cozinha não há qualquer parede que as divida, sendo assim, quem entra na sala pode ver claramente o que há na cozinha.

Deixo ela pra lá e dou uma olhada na casa; está exatamente como papai deixou: a poltrona de couro de frente para a televisão, onde ele passou a maior parte dos últimos anos de vida, fotos nossas espalhadas por toda a sala em molduras pequenas e, em cima da pequena estante de madeira, em meio a fotos da nossa família e um jarro com margaridas, está o cinzeiro favorito dele.

Tudo está do mesmo jeito, mas ele não está aqui.

Pego uma pequena moldura com uma imagem de nós três juntos no quintal. Lembro bem desse dia; papai tinha acabado de comprar uma câmera nova e tirava foto de tudo que encontrava. Quando chegou em casa, foi direto para o jardim dos fundos, onde Brenda e eu cuidávamos do nosso canteiro de flores. Lembro que ele chegou quieto e tirou várias fotos nossas distraídas, claro que só descobrimos essas fotografias horas depois, quando ele as trouxe impressas. Essa em minhas mãos era a favorita dele: nós três sorriamos felizes de frente ao canteiro de margaridas.

Filha Do Mal (Pausado) Onde histórias criam vida. Descubra agora