𝚂𝙰𝚄𝙳𝙰𝙳𝙴𝚂 |32

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1678 palavras

   Era uma visão de tirar o fôlego. A moradia dos Vitalis, um refúgio isolado das demais casas, estava rodeada por árvores que mudavam de vestes a cada estação, como uma moldura natural ao redor de uma pequena lagoa. Neste exato momento, um casal pescava ali, suas silhuetas refletidas nas águas tranquilas. Os Vitalis habitavam a parte mais modesta de Bolton Hill, o bairro onde vivi por anos, mas onde nunca senti de verdade esse sentimento acolhedor de lar, de refúgio. Porque é exatamente isso que sinto quando estou com eles: um lar. Fugimos da vida, cometemos tolices pelos cantos da cidade como adolescentes desregrados, e, por um breve instante, fujo de mim mesma.

  Esta manhã de sábado ensolarado traz consigo essa sensação rara e preciosa, momentos que fazem parecer que a vida realmente vale a pena. Contudo, no fundo, algo ainda me incomoda. Incessantemente, dia e noite, esse sentimento me assombra a cada passo, apertando meu peito sutilmente, lembrando-me da ausência dele.

  O som agudo da buzina ecoou várias vezes, arrancando-me dos meus devaneios.

  Voltei à realidade, percebendo que ainda admirava o casal à beira da lagoa.

— Está querendo pescar, madame? — gritou Charlotte de dentro de sua Kombi.

  Percebi que Erick, ao seu lado, era o responsável por apertar a buzina com tanta animação.

  Deixei de lado meus pensamentos, apertei a alça da minha mochila e sorri enquanto atravessava o quintal correndo até eles.

(🦋)

— Por que está chorando? — Ele se ajoelhou à minha frente, e senti seus olhos queimarem minha alma.

Abraçada aos meus próprios joelhos, com a cabeça baixa e a respiração entrecortada, que às vezes se transformava em soluços, não consegui responder. Estava magoada demais para falar sobre Astória. Meu coração doía de uma maneira que nunca havia sentido antes.

Nunca ninguém perto de mim tinha morrido antes.

Senti seus dedos erguerem meu queixo, forçando-me a olhar para cima. Ao longe, avistei todos na sala através do corredor, vestidos naquela cor sombria, reunidos em volta do caixão da minha babá.

Quem vai cuidar de mim agora? — solucei baixinho, encontrando seus olhos azuis com os meus, cheios de lágrimas.

Era meu drama infantil. Havia outras empregadas, minha mãe e meu pai que cuidariam de mim, mas Astória estivera presente desde o início das minhas lembranças. A dor da perda era nova para mim, um sentimento esmagador e desconhecido.

Eu cuido de você — afirmou ele, afastando meus joelhos e se aproximando para me abraçar.

Enrolei meus braços em volta do seu pescoço e afundei meu rosto em seu casaco preto e cheiroso, chorando baixinho. Desejei que Ivan nunca fosse embora, mesmo depois que o velório acabasse e nossas famílias se despedissem.

Cada lágrima que caía carregava um pedaço da minha dor, e o abraço de Ivan era a única âncora no turbilhão de tristeza que me envolvia.  A cada soluço, o aperto em meu peito aumentava, mas seu abraço, firme e reconfortante, oferecia um alívio temporário, uma promessa silenciosa de que, de alguma forma, tudo ficaria bem.

(🦋)

  Quando me lembrei pela primeira vez, forcei-me a acreditar que estava equivocada, algo de que também me arrependo.

INDELÉVEL-"Querido Diário" de Lana Berger Onde histórias criam vida. Descubra agora