Marta
Era aniversário de 50 anos do papai e ele não poupou recursos para que fosse a maior e melhor festa da região. Fios de luzes amarelas passavam de uma ponta a outra do enorme galpão que ele havia ordenado aos capatazes que o enfeitasse.
No palco improvisado, Chitãozinho e Xoxoró tinham sido contratados para animarem os convidados. Ao final de sua apresentação, alguns sanfoneiros da região dariam sequência na agitação da festa. Duas vacas e um leitão tinham sido preparados exclusivamente para os convidados, ricos e influentes da região.
Em um espaço mais afastado da elite, alguns funcionários de grande estima do velho Gaspar foram convidados a dedo, em sua maioria homens de confiança. Uma grande surpresa tendo em vista mais uma de suas várias regras: patrão não se misturava a empregado.
Ainda assim, o fato gerou insatisfação nos funcionários que ficaram de fora, principalmente porque o forasteiro recém-chegado havia sido convidado. Eu ainda não sabia muito a respeito do homem, mas o simples acontecimento de ter recebido o convite pessoalmente do poderoso Rei do Gado denunciava que ele estava em alta conta com papai.
Estranho... ele nunca abria a guarda para funcionários.
Pensar no homem — o qual descobri que chamar Alfredo — pareceu ter algum tipo de magnetismo. Uma força inexplicável me fez olhar para a entrada do galpão no exato momento em que ele chegou altivo e lindo, inteiramente vestido de preto. Da camisa engomada de mangas longas, dobradas nos antebraços grossos e com veias saltadas, aos sapatos pretos lustrados.
Para um peão recém-chegado, ou ele tinha uma mulher dedicada por trás de tamanho detalhismo em suas roupas ou seguia rigorosamente a disciplina ensinada do exército. Eu sabia por que Martin voltou outro homem quando foi dispensado do alistamento.
— Ele é tão lindo! Ouvi dizer que as mulheres da região estão todas assanhadas — Arlete comentou em tom conspiratório e olhar brilhante na direção dele.
Estávamos em uma rodinha de primas, incluindo Matilda ao meu lado, em completo silêncio.
Eu não poderia julgá-las, não é? Não que fosse dar alguma atenção para ele, mas a verdade precisava ser dita. Era simplesmente impossível ignorar um espécime como aquele.
As pessoas não falavam de outra coisa a não ser o novo funcionário da fazenda. Muito se espiculava, mas nenhuma informação tinha sido confirmada. A única coisa que sabíamos era que o homem chegou à região sozinho, aparentemente sem família, corroborando com a hipótese de um homem disciplinado e atento aos detalhes.
De queixo erguido, o desconhecido caminhou em meio as pessoas que o olhavam sem esconder a curiosidade. Acenou levemente a cabeça para alguns empregados de longe, enquanto outros mais desinibidos caminhavam até ele pegando em sua mão. Parecia ser educado, mas em nenhum momento o vi sorrir.
Ainda que estivesse tentando com afinco, não conseguia tirar meus olhos de sua direção, acompanhando até mesmo sua respiração à medida que seus passos ficavam próximos a mim. Algumas pessoas transitavam entre nós, mas não foram fortes o suficiente para me distrair.
Então seu olhar encontrou o meu e me senti liquefazer, aquelas reações desconhecidas me atingindo outra vez. Minha boca secou, as mãos suaram frio e meus olhos pareciam arregalados, atentos a cada detalhe do homem.
Os olhos azuis antes tão claros agora brilhavam escuros, trazendo uma sensualidade indecente a aparência máscula e bruta. Os cabelos castanhos penteados para trás, ainda úmidos, davam-lhe o charme mais que especial.
O mundo pareceu parar durante todo o tempo em que seu olhar ficou preso ao meu. Com uma tranquilidade assustadora pelo que pareceu horas, ele me leu da cabeça aos pés, espalhando uma energia poderosa em meu corpo trêmulo, atento demais a ele.
O pomo-de-adão protuberante subiu e desceu devagar, como se ele estivesse fazendo a mesma análise minuciosa em mim que eu fazia nele. Por um milésimo de segundo, foi como se eu tivesse visto um início de sorriso em seus lábios.
Santo Deus! Eu não estava me reconhecendo. Por mais que me esforçasse para não demonstrar, era impossível não me abalar.
— Você deveria parar de encará-lo desta forma, as pessoas podem notar. — Matilda grunhiu, irritada.
Sabia que tinha razão, mas ainda assim não consegui tirar meus olhos dele.
Contudo, nosso contato foi interrompido quando uma mulher espremida em um vestido preto e indecentemente curto parou à sua frente, enrolando uma mecha de cabelos no dedo enquanto tentava chamar sua atenção.
Não me reconheci quando senti vontade de arrastá-la de perto dele, que não parecia surpreso com a abordagem, tampouco envolvido.
Observei sua face máscula praticamente imóvel enquanto a mulher estava a ponto de se derreter, de tanto que se mexia numa tentativa frustrada de sedução. Poderia até funcionar para outros homens, mas Alfredo parecia durão.
Matilda segurou meu braço grasnando algumas bobagens que não me importei em ouvir, atenta em como ele parecia maduro pelo modo confiante como se portava.
— Tome tento, Marta! — A voz baixa e irritada de minha irmã finalmente chamou minha atenção, apertando meu cotovelo. — Está dando na cara, parecendo as rameiras de papai.
O bolo se formou em minha garganta com tamanho xingamento.
— Qual o seu problema, Matilda? — Soltei o meu braço em um puxão discreto. — Por que não se preocupa em cortejar algum rapaz decente?
Ela me encarou com horror, mas não voltou a importunar.
Passei meus olhos novamente pelo salão e pude ver três das várias amantes do meu pai. Sim, ele teve culhão o suficiente para trazê-las mesmo sabendo que mamãe estaria presente e pior, consciente de suas puladas de cerca. Todos sabíamos, mas nos rebelar contra não era uma luta pela qual poderíamos ganhar, não quando mamãe fingia não ver.
A realidade que vivíamos era opressora e parecia prestes a nos esmagar a qualquer momento.
Anos depois, descobri que havia nomes para o que sentíamos: machismo e patriarcado.
Os olhares e falas nojentas. A posição submissa que éramos obrigadas a adotar. A falta da possibilidade de escolhas para simplesmente aceitar uma decisão que homens tomavam por nós. Não sermos donas de nossos próprios corpos, não podemos tomar decisões sobre quantos filhos queríamos ter, se é que queríamos. Dentre várias outras situações que pareciam corriqueiras no dia a dia, mas não eram.
Eu poderia até parecer ingênua aos olhos dos outros, mas nunca me permitiria permanecer na ignorância por qualquer tipo de pensamento retrógado só porque era mulher.
Maisdo que isto, nunca aceitaria um futuro imposto sem lutar. Não mesmo!
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[DEGUSTAÇÃO] - A HERDEIRA PROIBIDA PARA O COWBOY: Família Albuquerque
ChickLitAluna x Professor. - Ela é mais velha. - Foi traída e está recomeçando. - Romance maduro. Uma CEO de sucesso, infeliz e solitária, buscando se reconstruir. Um professor de dança intenso e sedutor, disposto a vê-la feliz. Aos 36 anos, Heloísa de Alcâ...