Capítulo 2 - Lara

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Sair da nossa zona de conforto é um ato de coragem. Mudar se faz necessário, mesmo que venha acompanhado de um enorme medo de falhar.

Quando decidi deixar a minha cidade natal e vir para a capital, sabia que poderia ter prós e contras, mas de alguma forma estava disposta a enfrentar todas as consequências, desde que não desistisse antes mesmo de tentar. Sou a filha mais nova de três irmãos, nasci e cresci em uma cidadezinha com poucos habitantes, todos os moradores se conhecem e as oportunidades de empregos são quase nulas, principalmente na minha área de formação.

Depois de muito quebrar a cabeça, sentei-me para conversar com os meus pais, que não gostaram muito da ideia.

─ Por que precisar ir para tão longe, filha?

─ Mãe, a senhora sabe que não temos muitas oportunidades de emprego. Qual o sentido de ter feito curso técnico em logística, se nunca trabalharei na minha área?

─ Você precisa ter paciência, Lara. Não é como se as coisas fossem aparecer do dia para a noite. ─ Ela me encara séria. ─ Eu vou tentar encontrar alguns amigos, ver se eles não conseguem um emprego para você, filha.

─ Mãe, me formei há mais de um ano e não consigo nada, até nas cidades vizinhas emprego na minha área está difícil. Sei que a senhora tem medo, mas eu preciso tentar e sair da minha zona de conforto.

─ Como você vai se bancar? Ir para a capital não é garantia de conseguir um emprego.

Não vai adiantar continuar falando com a minha mãe, ela é teimosa demais para aceitar a minha decisão. Tenho vinte e dois anos, desde a minha adolescência, vinha conciliando os estudos com o trabalho, pois sabia que em um determinado momento precisaria ter economias para ajudar. Com o dinheiro que juntei, conseguirei me manter por um tempo, mesmo que só encontre trabalho em outra área, aceitarei.

─ Mãe, não precisa se preocupar com isso, tenho minhas economias guardadas.

─ Filha, acho melhor você não ir...

─ Mãe... ─ Seguro sua mão entre as minhas. ─ Eu amo muito a senhora, o papai e os meus irmãos, mas isso não significa que preciso permanecer presa aqui. Não estou pedindo permissão para ir embora, estou comunicando com antecedência.

─ Lara, me escuta.

─ Suas preocupações são válidas, no entanto, existe um limite. Em um mês irei embarcar no primeiro ônibus que sair para a capital, espero que entenda e apoie a minha decisão, afinal, é dos meus sonhos que estamos falando.

Como prometido, fui embora no dia e horário que havia planejado, os meus irmãos me desejaram boa sorte, deixando bem claro que eu poderia voltar e ligar para eles quando precisasse, além de deixarem bem claro que eu sempre seria a caçula da casa, aquela que eles protegeriam. O meu pai, mesmo eu dizendo que não precisava, me deu um pouco de dinheiro e a minha mãe, bem, não foi até a rodoviária se despedir.

Dois meses se passaram desde que cheguei, consegui alugar uma casa de dois cômodos. Participei de algumas seleções e sigo colocando currículo. Mesmo não tendo conseguido trabalhar com logística, comecei a trabalhar como garçonete em um bar. Mesmo não sendo aquilo que vim buscar, ainda assim, consigo ganhar mais do que no meu antigo trabalho no mercado do senhor Zé.

Ainda estou me acostumando com o trânsito caótico de Amaranto, assim como os preços exorbitantes dos alimentos. Em contrapartida, gosto da variedade de locais para se divertir ou apenas passar um tempo pensando na vida. Todos os dias, antes de ir para o trabalho, ligo para a minha família, sinto que aos poucos minha mãe vai aceitando a ideia. Me doeu quando não a vi na rodoviária, entretanto, não sou capaz julgá-la completamente. Como mãe, estava preocupada com a minha integridade e tem medo de que me machuque.

─ Como eu faço isso? ─ Saio do transe com a voz da Juliana, uma das garçonetes que trabalham comigo.

─ Faz o quê? ─ pergunto confusa.

─ Não se faça de desentendida, quero saber como faço para conquistar tanto homem bonito assim? ─ Continuo sem entender nada. ─ Estou aqui há mais tempo que você, nunca vi tantos clientes darem em cima de uma única pessoa assim. Eles ficam babando por você, como faço para ter um pouco da sua beleza?

Essa é uma das coisas que ainda não consegui me acostumar, os homens são mais diretos e deixam bem claro quais as suas intenções e a maioria dos clientes que falam comigo, querem claramente me levar para o primeiro motel que encontrarem. Não vejo problema nenhum em quem gosta de dormir aleatoriamente com esses caras, mas assim, não achei minha vagina no lixo para sair dando a qualquer um. Desde muito nova, onde eu escutava as minhas colegas conversando sobre terem transado com alguns meninos, coloquei na minha cabeça que só me entregaria para alguém que gostasse muito e o principal, confiasse nessa pessoa.

─ Você não precisa exagerar, tenho uma beleza mediana, você por exemplo é muito mais bonita ─ falo com sinceridade, Juliana é uma morena linda, não vejo defeitos em sua aparência.

─ Lara, Lara... devo presenteá-la com um espelho? ─ Sorrio com sua maneira de falar. ─ Você é linda, mulher. É loira, tem olhos claros, um rosto angelical e um sorriso encantador. Como podemos competir de igual para igual?

Antes que eu a consiga responder, ela é chamada para atender um cliente que sempre a chama quando aparece. Dou uma volta pelo bar de dois andares. Antes de vir para Amaranto, não sabia que lugares assim poderiam existir, a maioria dos clientes são vips, ou seja, pessoas com muito dinheiro. Médicos, promotores, empresários, até cantores famosos passaram por aqui.

As horas vão passando e percebo que em breve fecharemos o bar. Hoje estou no grupo que limpará as mesas. Aproveito o pouco movimento para ir ao banheiro, estou há um tempo apertada, não consegui parar.

Um dos meus maiores defeitos é a lerdeza, talvez esse seja o motivo de ter molhado completamente o meu uniforme. Felizmente está no fim do expediente, pois não trouxe uma camisa extra. Ao sair do banheiro olhando para a sujeira que fiz, acabo esbarrando em uma pessoa, que se não fosse por ela, teria ido ao chão.

─ Oh, me desculpe, senhor ─ falo ao perceber que se trata de um homem. ─ Estava distraída, acabei não prestando atenção.

Levanto o olhar, dando de cara com um dos homens mais lindos que já vi em toda a minha existência. Ele é bem mais alto do que eu, deve estar na casa dos trinta anos, tem cabelos lisos castanhos, olhos verdes e uma barba bem ralinha. Não sendo o bastante, está usando uma camisa social com alguns botões abertos, mostrando o que parece ser a ponta de uma tatuagem.

─ Não se preocupe, menina. ─ Sua voz rouca me causa arrepios. ─ Essas coisas acontecem.

Suas mãos continuam firmes em minha cintura, meu coração parece sair pela boca e não consigo desviar o olhar, que parece ler até a minha alma.

Depois de um tempo, escuto alguém chamar o meu nome e me afasto dos braços desse estranho. Agradeço mais uma vez por ter me ajudado, dou as costas e saio quase correndo. Essa é a primeira vez que meu corpo reage assim a alguém, será que tem algo de errado?

Motivos para (não) te amar - DEGUSTAÇÃOOnde histórias criam vida. Descubra agora