Em vão

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A traseira do trem era realmente menor, então o que tangerina me disse não era assim tão sem sentido

Nós pulamos. Pulamos juntos de uma altura até que aceitável, com muita sorte, havia um chão para cair ao invés de um rio, ou talvez um precipício mortal

– A gente precisa voltar – Eu disse

Estávamos sentados no chão em que aterrissamos, recuperando as forças

– Claro, a gente cria asas e volta que nem uns anjos pro trem

– Tô falando de alcançarmos ele logo, idiota

– Não rola fazer isso correndo, já tá longe

Olhei para trás, avistando alguns motoqueiros conversando perto de uma lojinha de conveniência, então me veio uma ideia

– Essa ideia é de fuder

A ideia era esperar os homens irem até a loja e então pegar as motos para alcançarmos o trem

– Tem alguma melhor? – Perguntei

Estávamos escondidos, esperando eles entrarem na loja. Eu não sabia se eles iam entrar ou não, mas torcia pra isso

– Se nós formos pegos por motoqueiros japoneses e eles manterem a gente em cativeiro em algum tipo de máfia, eu vou te culpar pelo resto da vida curta que nós vamos ter

– E depois eu sou a paranóica

Ele revirou os olhos, esperamos por alguns minutos, já quase convencidos de que eles não iriam até a loja

Tangerina se acomodou no piso duro que estávamos

Não era um lugar aberto, era como uma estação, mas não onde nosso trem parou, infelizmente

– Por que você pulou?

Eu esperava essa pergunta em algum momento, mas não tinha uma resposta exata, então fiquei quieta

– Por que pulou da merda do trem?!

Fiquei alguns segundos calada, até pensar no que responder

– Eu não te devo satisfação de nada do que eu faço

– É, exceto quando você pula de uma porra de trem que está a quilômetros por hora! – Ele gritou, alterado – Você é tão burra, não sabe que-

– Eu não queria que você morresse, idiota! Eu não te odeio e não quero que morra, só queria que falhasse na missão pra provar que eu sou melhor nessa merda de emprego que separou a gente! – Falei olhando nos olhos dele – Não queria que fosse tudo em vão

Ele ficou quieto enquanto olhava para mim, parecendo estar processando e pensando em tudo

Vi os homens à alguns metros entrando na loja, era a nossa deixa

– Vamos lá, eles estão entrando

Saí de fininho junto ao tangerina e andamos tentando agir normalmente

– O que quis dizer com "tudo em vão"?

Eu mereço

– Fica quieto

Andamos mais um pouco até chegar nas motos, olhei pelo vidro da loja e eles estavam ocupados demais bebendo e rindo que nem uns caipiras

– Porque realmente terminou comigo? – Ele disse parado enquanto eu olhava pelo vidro

Aqueles caras estavam pagando pelas bebidas, tinha uma moça no caixa, uma moça jovem de uns vinte anos com o cabelo preto

– Olha, agora não é hora - Falei, ainda vidrada nos homens, eles agora provocavam a moça e riam da cara dela – Desgraçados

– Quem? – Tangerina disse, olhando também para a loja

Ignorando tangerina, fui até a loja andando rápido e abri a porta com tudo quando vi eles tocando na garota

– Ei! – Gritei, chamando a atenção deles

– Gabriela! – Tangerina disse vindo logo atrás de mim – Merda...

Não demorou muito pra começarmos uma briga de bar. Eu disse que eles eram os caipiras mas quem começou a briga fui eu, vai entender

Tangerina me ajudava com os caras, eram só babacas convencidos, não eram fortes apesar da aparência demonstrar o contrário. Em alguns minutos, os cinco homens se renderam

– Se vocês tocarem ou até se pensarem em mexer com uma garota indefesa de novo-

– Chega, eles já entenderam – Tangerina disse, puxando meu braço para me afastar dos homens que estavam machucados no chão

– Não, eu ainda não acabei – Falei soltando meu braço – Vocês vão deixar nós pegarmos duas motos e vão dar todo o dinheiro que têm pra aquela garota, escutaram?

Eles não responderam, me perguntei se o soco que eu dei neles há alguns minutos havia afetado os tímpanos

– Eu perguntei se escutaram!

– A gente escutou, cacete! – Um deles, de barba e cabelo longo disse, pegando todo o dinheiro do bolso, logo todos fizeram o mesmo e me entregaram

Eu peguei o dinheiro e fui até a garota, passado reto por tangerina que parecia estar sem reação

– Aqui – Disse, entregando vinte e três dólares para ela

– Obrigada, você é meio doida, mas muito obrigada – Ela disse antes de pegar o dinheiro

– Tenta tomar cuidado, te aconselho a acertar na garganta na próxima vez, e acredite, vai ter uma próxima – Eu disse com um leve sorriso

Sei que poderia ter sido um pouco triste, mas eu só estava sendo realista, nós duas sabemos que iria ter uma próxima vez

Eu e tangerina fomos até as motos enquanto víamos os homens caminharem em direção à rua, pareciam ter aprendido a lição

– Toma aí – Tangerina disse jogando uma lata de Coca pra mim – Aquilo foi loucura, mas eu tinha me esquecido do quão corajosa você é – Ele disse abrindo a latinha de um jeito extremamente atraente, logo depois bebendo

Só pude olhar para o seu braço, com aquelas veias saltando enquanto levava a lata de Coca até a boca e bebia, mas que merda... Ele logo depois me olhou, eu deveria evitar contato visual enquanto pensava no quão atraente ele estava, mas foi meio que impossível, então para disfarçar dei um gole na minha Coca também, mas ele continuava me olhando

– Vamos logo antes que percamos o trem – Eu disse, mas logo vi tangerina se aproximando, se aproximando demais...

– Ainda tem tempo – Ele disse num mero sussurro, estávamos à centímetros de distância do rosto um do outro – Me conta... Porque disse que foi em vão? – A voz dele estava rouca, ficava cada vez mais difícil de manter a postura

– Porque foi em vão – Respondi – Nós estamos nessa mesma missão, dois ex namorados cujo o único objetivo é pegar uma mala idiota – Eu disse erguendo um pouco a cabeça para olhar nos olhos dele

– Então porque não ficou no trem? Poderia ter saído de lá com a mala, viva e bem recompensada. Porque você pulou?

Se a voz rouca dele não me matasse, a pressão pra responder aquela pergunta iria matar

– Se você morresse, o nosso término seria em vão, nós dois estarmos nessa missão seria em vão, o fato de que talvez eu ainda tenha sentimentos por você seria em vão – Falei baixo e com calma, mas por dentro estava gritando e surtando

Ele não disse nada, apenas me olhou. E não foi que nem das outras vezes, foi um olhar do tipo "cala a boca e me beija" ou provavelmente do tipo "cala a boca e se mata sua iludida do caralho"

Ele suspirou, e então saiu de perto de mim, indo até as motos e puxando uma

– Vamos, nós nunca vamos voltar pra missão se não acharmos o trem – Ele disse subindo na moto e ligando o motor, logo depois subi e fiz o mesmo, e então seguimos os trilhos. Sem dizer uma palavra

Trem bala - Tangerina (ATJ)Onde histórias criam vida. Descubra agora