Os gritos que Pierre escutava, eram semelhantes aos próprios momentâneos que sua mãe ouviu no momento de seu parto. Um tanto mais atrás, a primeira vez que escutou com clareza um grito daqueles, foi no momento que viu seu pai já sem vida. Pendurado pelo pescoço. Foi como se a própria mente gritasse aterrorizada. Já as batidas, ele pensou que provavelmente fosse o ódio daqueles fetos enterrados em baixo das roseiras plantadas próximas da janela do menino, entretanto, eram apenas fetos. E num tamanho tão pequeno não conseguiriam sequer bater em um tamboril.
Lotte miava desesperadamente ao lado da cama, implorando para ter novamente seu pote cheio com ração. Seus olhos esverdeados estavam arregalados de uma forma que enfatizava sua exigência. Pierre ainda estava tentando abrir os olhos na presença da claridade que invadia o quarto. Foi relativamente demorado, mas logo o pote já estava nutrido novamente.
Quando Pierre decidiu colocar os pés para fora do quarto já eram 11:43. Perambulou primeiramente até a sala, onde estava o foco daquele cheiro repugnante.
Um homem gordo estava sentado de forma desleixada no sofá, um que já fora apresentado de forma breve. No chão, estavam duas garrafas de cerveja ( Uma cheia e outra já pela metade ). A mesa em frente estava infestada de sujeira, em sua maioria, cinzas de cigarro e pedaços de alguns. O menino passou por ele sem encarar ou sequer desviar seu olhar. Porém a casa passo ele sentia nojo da respiração pesada e eventuais grunhidos que escutava vindo daquele.
A mãe estava na cozinha, tal qual fazia em sua rotina; Cozinhando de cabeça baixa em direção à panela do fogão segurando uma colher de madeira na mão direita. Pierre gostava de observar ela nesses momentos, quando ela parecia tão calma e pacífica ( Apesar dos surtos da mulher ele realmente admirava ela ).
Da cozinha, a televisão podia ser ouvida bem baixinho; Risos roucos eram escutados. Enquanto cozinhava o arroz, a mulher pensava no que iria fazer para o jantar daquela noite. Frequentemente preparava a mesma refeição; Arroz, carne e salada de alface. Sua comida sempre possuía alguma parte queimada, exceto pelo alface. Era levemente sem tempero, e quando resolvia colocar mais, ficava em excesso. Ela odiava cada momento na frente do fogão, mas guardava para si esse desgosto.
Sentiu-se um odor fétido, e então, as batidas mas paredes voltaram tal qual o sentimento de horror.
A mãe era uma fanática religiosa, e a última vez que Pierre citou uma de suas experiências incomuns fora arrastado para dentro de uma igreja com a certeza da mulher de que algo ruim estava o assombrando. O menino nunca tinha rezado tanto.
Dessa vez nenhuma voz incorpórea se manifestou.
Pierre não conseguiu afastas a sensação de medo, para ele, a casa inteira estava sendo observada de dentro das paredes, e se conseguisse se esforçar ele acreditava que em algum momento poderia ver vultos de olhos humanos dentro das tomadas da casa e rostos espremidos nos espaços que ficavam entre os móveis e o chão. Ele tinha girado sua cabeça para o lado, mas também não havia nada fora do comum ali. Sentiu o coração despencar, sentiu-o descer pelo peito até chegar no estômago onde os batimentos ficavam mais rápidos junto a respiração que se tornou acelerada. Em sua mente, algo dizia repetidas vezes: Eles não vão te ajudar de jeito nenhum.
Lotte se revelou na porta da cozinha. Seu pelo rajado ganhava maior destaque perante a luz do sol que adentrava nas janelas da cozinha. Foi andando diretamente para o colo do menino que ainda se preocupava em achar os olhos.
O silêncio habitual fora retomado aproximadamente sete segundos depois quando a mulher na frente do fogão ordenou tirar a gata da cozinha.
O dia seguiu-se da maneira mais habitual possível. Houve-se uma briga entre os adultos no período da tarde. Não durou muito. Apenas o suficiente para Pierre Bonneville se trancar em seu quarto com medo da reação de qualquer um deles.
