De volta

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O ambiente estava calmo, como sempre era. Nos braços de Eywa não existiam dor ou saudade, e apesar das memórias tristes permanecerem, elas não causavam sofrimento.

Neteyam estava correndo pela floresta com os seus irmãos, rindo enquanto pulavam entre os troncos e galhos, quando sentiu um puxão abrupto para trás. Em um instante, ele estava na floresta, no outro, estava envolto de água.

Seus olhos se arregalaram e se deparam com a enorme árvore brilhante que por muito tempo fora a sua morada. O peso de ter um corpo e a ardência causada pela necessidade de ar o atingiram e o levaram a emergir.

Ele bateu os braços até uma parte rasa o suficiente  para que pudesse ficar sentado, e ficou um bom tempo olhando para a água tentando raciocinar o que estava acontecendo.

Seu corpo inteiro tremia, ele sentia o frio da água, o ar entrando e saindo de seus pulmões e seu coração batendo violentamente contra a caixa torácica. Não era uma vaga lembrança das sensações, ele realmente estava sentindo tudo.

Aquilo era real. Muito real.

Estava vivendo novamente, criando novas lembranças e não apenas revivendo as que já tinha.

Se levantou ainda cambaleante e se arrastou até a terra firme, escorou-se numa árvore buscando orientação de para onde deveria ir. Quando achou o caminho que o levaria até Awa'atlu foi que percebeu que estava completamente nu, não haviam roupas ou adereços, e seus cabelos lisos estavam soltos sem as típicas tranças.

Sentiu-se subitamente envergonhado, não poderia chegar na aldeia daquele jeito, então arrancou algumas folhas e plantas rasteiras e as amarrou firmemente aos quadris em uma tanga improvisada.

Enquanto caminhava, uma dúvida surgiu em sua mente, trazendo consigo o medo. Quanto tempo havia estado com Eywa? Se lembrava nitidamente do momento em que parara de respirar e a dor ardente em seu peito cessou, mas enquanto estava nos braços da Grande Mãe tinha perdido completamente a noção do tempo. Podiam ter se passado algumas horas desde que morreu, ou vários anos.










— Desita Lo'ak, você é péssimo nisso—Ao'nung ria da cara frustrada do amigo enquanto ele próprio puxava mais uma rede cheia de peixes — parece que eles fogem de você.

— Deve ser por que eles sabem do guerreiro poderoso que eu sou.

— Primeiramente que se tem algo que eles temem deve ser essa sua cara feia...  OU! — o Metkayina massageou o braço onde o outro dera um soco — e segundo, você nem é um guerreiro de verdade.

— Eu ainda não sou um guerreiro de verdade, mas isso é só questão de tempo, a cerimônia está quase chegando e...

Lo'ak começou a tagarelar sobre o rito de passagem dos Metkayina para os jovens que queriam se tornar guerreiros . Comentou sobre já estar bolando suas estratégias, quando percebeu o quanto seu companheiro estava quieto.

— Oe, Ao'nung! Tá me ouvindo cara? —foi quando ele percebeu que seu amigo não estava apenas calado, mas seus olhos estavam arregalados e sua boca estava aberta — que cara é essa boca de peixe? Parece até que viu um fan... tasma...

Aquela figura que vinha correndo com os braços para o alto era tão familiar que ele também arregalou os olhos e abriu a boca.

— EI! LO'AK!

Lo'ak não se moveu. Seus pés estavam fincados no chão e seu corpo estava rígido como uma tora.

Já estava se cansando daquilo. Constantemente ele tinha sonhos em que seu irmão simplesmente voltava pra casa, mesmo depois de ter morrido, como se Eywa o tivesse dado uma segunda chance. E alguns eram tão reais que ele realmente acreditava que o mais velho estava de volta e bem, que tudo voltaria a ser como antes e seriam uma família feliz de novo.

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