Não Há Fuga.

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No dia seguinte, despertei envolta em um turbilhão de dores lancinantes. Minhas pernas trêmulas eram como pilares prestes a desmoronar, sustentando um corpo que parecia ter sido alvo de uma brutalidade além do humano. Senti-me, confesso, como se tivesse sido arrastada por uma tempestade feroz, uma força da natureza implacável que destrói qualquer ilusão de segurança com sua fúria inclemente.

Da cintura para cima, parecia ter sido esmagada por uma força implacável, cada fibra do meu ser gritando em agonia. Estava sobre as areias frias da praia, nua, sentindo o vento cortante chicotear minha pele, uma lembrança cruel de minha vulnerabilidade. Ele não estava lá, nem sua veste. Apenas o vestido que agarrei desesperadamente quando fui lançada novamente ao litoral. Ergui-me com dificuldade, olhando a praia ao meu redor com um temor profundo. O medo me dominava, mais palpável do que nunca, uma sombra constante sobre meu espírito.

Ao me levantar, minha pele parecia adormecida, uma dormência insidiosa que me corroía. Firmando os pés na areia, um formigamento cruel percorreu todo o meu corpo. Ele havia me destruído completamente, esgotado minhas forças. Em minha mente, uma única pergunta me atormentava: por que não fugi? Por que não tentei? Por que me conformei e o esperei? A dor me paralisara, um testemunho silencioso de minha capitulação.

Lentamente, estiquei o vestido e cobri meu corpo trêmulo e cheio de hematomas. Suas garras haviam se cravado sem piedade, e minha pele estava marcada com manchas roxas, lembranças de um tormento recente. Algo em mim, algum resquício de vida, não permitiu que eu morresse durante o ato. Talvez fosse sua magia, capaz de realizar o impossível, mantendo-me à beira da existência.

Com a mente pesada, caminhei para dentro da selva. A cada passo, os sons dos disparos e estrondos se intensificavam. O caos continuava, e eu só queria saber onde ele estava.

Cheguei à metade da mata quando ouvi um urro seguido de um disparo. Encolhi-me entre as folhas de um arbusto.

— Maldito! Você acha que pode nos roubar, filho da puta?! — gritou um homem alto e sujo, com barba malfeita. Vestia uma camisa branca e calças jeans que mal lhe cabiam, cobertas de lama e suor. Apontava uma pistola contra um garoto, que não tinha mais do que quatorze anos.

— Desculpa... — murmurou o menino, em agonia. Esgueirei-me para ver melhor e vi seu ombro praticamente dilacerado pela bala. Sua carne estava em frangalhos, e o sangue jorrava. Por que dois homens seriam tão cruéis, especialmente após o fim do mundo?

O garoto, com o braço ferido, segurava uma lata de feijão. Sangue escorria de seus lábios, sujando a blusa listrada sob o casaco azul. Era só uma criança, tratada como um cão por monstros.

— Desculpa? Estão ouvindo, rapazes? — disse o homem, olhando para trás, mas sem ver quem estava ali. Risadas desprezíveis ecoavam, e então ele apontou a arma para o garoto e disparou.

Mais sangue, mais daquele maldito sangue. Pintando as folhas diante dos meus olhos, algumas gotas caíram nas minhas bochechas, escorrendo pela pele pálida. Ele acertara o pé do garoto, praticamente destruindo-o. Ouvi seus soluços, seu grito desesperado, implorando por sua vida.

— Desculpe! Me desculpa! Por favor! Não quero morrer! — gritou, sua voz lentamente ficando rouca.

O homem, indiferente, colocou a arma na boca do garoto, o fazendo se mijar em suas calças. Naquele instante, perguntei-me se havia me equivocado. Como podia um homem ser tão indiferente? Será que mereço a mesma punição de estar naquele mundo?

Quem me punia de forma tão injusta? Será que tudo termina em dor? Sempre termina, em dor? Será que aquilo era mais uma de suas provas, não castigo, o senhor?

Apesar das perguntas, me acovardei, me afastei e ouvi o disparo. Fechei os olhos no mesmo instante, ouvindo os passos dos homens se afastando e seus comentários grotescos.

— Viu? Ele explodiu como a porra de um tomate! — brincou um dos homens, enquanto os outros riam.

Quando me senti segura, corri em direção oposta. Após meia hora, caí no asfalto da estrada, ofegante, com os pulmões clamando por descanso e água. Vi o mundo desabar diante de meus olhos.

Um foguete cortou os céus, balançando as árvores, voando em direção ao sul até atingir a grande montanha após a cidade de Brașov. Uma nuvem de cogumelo ergueu-se, e vi surgir uma face, olhos vermelhos e um sorriso escarlate. Era ele. Nem a mais poderosa arma humana poderia detê-lo. Naquele instante, soube a resposta: por que não fugi? Porque era impossível.

Eu vi a fumaça negra se converter nele, ele flutuava sobre o ar, absorvendo as chamas, a radiação. Tudo era mero fragmento, tudo não passava de poeira. Nem mesmo o caos que alimentava o ego dos homens lhe causava sequer arranhão. Se causava, era por mero instante. Ele não parecia ser golpeado pelo maior dos medos, a morte. As almas então se ergueram a seu redor, inúmeras, e ao abrir sua boca, ele as consumiu como se fosse um ótimo banquete.

Mesmo distante, ouvi o canto de seus lábios ressoar, como o grito de uma fera, anunciando seu domínio. Aquele mundo, que um dia foi meu lar, era seu. Ele se sentava sobre o medo dos que viviam e se erguia dos que já se foram. Ele era a vida em terror e a morte em pavor. Realmente, se não fosse o filho do diabo, eu diria que ele seria deus...

Devorada Pela Fera IncontrolávelOnde histórias criam vida. Descubra agora