Três Almas em Agonia

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Sentindo as cinzas dos mortos caírem como chuva em minha face, despertei finalmente dos minutos de torpor. Caí diante da realidade, alheia ao meu redor. Sobre a cidade, floresta e montanha, fragmentos acinzentados que a bomba deixara desciam pesados, sufocantes. O mundo pareceu perder sua cor naquele instante, sendo envolvido em um profundo e mortal cinza. E naquele momento, encontrei certo alívio: sua presença me abandonou.

Lágrimas caíram, uma resposta involuntária do meu corpo. Apertei bem os lábios, crente que meu destino poderia ser outro, uma fantasia ousada enquanto era sua prisioneira. Será que minha tortura havia chegado ao fim? Inocente pensei, será que ele se cansou? Ou era apenas o começo de um novo inferno?

Por que ele me escolheu? Se sim, para algumas dessas perguntas.

Até que no horizonte daquela estrada desolada, a qual me mantinha ajoelhada, vi duas figuras se aproximarem. Minhas vistas recém-despertadas se desanuviaram, revelando uma mulher morena e um homem de olhos azuis vibrantes e cabelos loiros. Eles pareciam exaustos, espectros da própria resistência.

Aproximaram-se lentamente, até pararem a poucos metros de distância. O homem, com determinação mista de medo, ergueu sua arma em minha direção e, sem pressa, perguntou:

— É um deles? — Vi o medo em seus olhos, o tremor em suas pernas, prontas para fugir diante de uma resposta.

A garota, no entanto, não esperou. Com um tapa, fez o homem abaixar a arma, soltando um suspiro desolado.

— Não seja imbecil! Não vê que ela não está sangrando pelos olhos? Não é um demônio! — disse ela, se aproximando. Seus lábios estavam secos, e um pequeno urso pendia de uma corrente em sua mochila, um contraste tocante à devastação ao nosso redor. De quem era? A quem lhe trazia memórias?

— Você fala como se fosse óbvio... — murmurou ele, relutante, virando as costas para nós. Eu nada entendia, apenas os observava. — O alienígena não deve nos importunar agora que o exército chamou sua atenção. Devemos ter um tempo para sair daqui. — Alien? Assim o chamavam? Não seria por menos. Dizem que surgiu de um buraco negro aqui na Romênia, onde as lendas de Vlad nasceram. Aqui, tudo começou... Daqui, o mundo ruiu...

— Mas precisamos de um carro. Com aqueles abutres por aí, não vamos longe! — ela respondeu, pegando minha mão. Senti seu calor, sua humanidade, e assenti com a cabeça, tentando mostrar que era amigável. — Sou Natasha, e ele é Derick. E você? — perguntou, sua voz era gentil, se tivesse um sabor, diria que de morango, apesar do pesadelo ao redor.

— Arielle... — murmurei, encarando o rapaz que passava por nós, andando confiante. Esse, a voz era de um limão, bem azedo!

— Prazer, mas não temos tempo. Vamos, meninas! — disse ele. Natasha me puxou, e eu quase tropecei em meus próprios passos.

— Aonde vamos? — perguntei, desconfiada. Por mais gentis que fossem, ou parecessem ser, acabara de ver um garoto... Pobre garoto... Ter um final tão trágico.

— Para longe daqui! Daqui a duas horas, vão lançar o míssil mais poderoso que possuem. Dizem que isso exterminará a criatura, mas não vamos ficar para ver, né? — respondeu Natasha, apressadamente. Notei seu olhar sobre meu vestido com estranhamento.

— Entendi... Ehr... — mal consegui perguntar, deixando o silêncio falar por si. Ainda sentia dor e medo, cada passo uma agonia, ecoando a violação sofrida.

— Não só a radiação, Natasha. O objetivo é sobreviver agora. Mesmo se matarmos a criatura, os danos são irreversíveis para nós e o mundo! — indagou Derick, olhando ao redor. — Você ainda não deve ter visto um deles, né? — perguntou, dirigindo-se a mim. Dizia alto o suficiente para ser ouvido por quem estivesse atrás.

— Deles? — perguntei. Apenas imagens daqueles homens vinham à minha mente.

— Os demônios... Seres grotescos... Eu já matei um bocado! — afirmou ele, me fitando de lado, sentia que se enchia de razão, vangloriando seus feitos. — Mas percebendo mais você, tá na cara que não! — desdenhou de mim, vendo-me franzina e frágil. É, eu estar viva, era só por um castigo do destino.

— Com certeza ela deve ter visto coisas ruins. Todos estamos, não é hora de julgar ninguém, Derick! — interrompeu Natasha. Ela tirou uma faca da cintura, onde percebi que mantinha uma pistola automática no bolso, e estendeu a mão para mim. — Pegue! Vai precisar! — afirmou. Mal tive forças para segurar. A última que vi foi usada para matar. Não dava, apenas segurei meu ombro.

— Não quero tocar em armas... — ela entendeu, pude ver em seu olhar. Mas ele... ele me olhou como se eu fosse a criatura mais detestável do mundo. Talvez fosse, naquele instante me sentia vazia, sem propósito, clamando pela miséria de quem visse. Minha feição estava desolada, eu estava completamente quebrada.

Mas, não estava morta, não ainda...

— Não importa. Apenas siga e sobreviva — disse Natasha, apertando minha mão. O toque dela, quente e firme, me dava um fio de esperança. Estávamos todos presos em um pesadelo, mas talvez, só talvez, houvesse uma saída para o nosso sofrimento.

Tive dias ruins, dias felizes, dias que pensei que não teria um amanhã, e dias que não quis ter um, mas aquele, me fazia ter um misto tão grande de emoções, eu desmaiei.

Devorada Pela Fera IncontrolávelOnde histórias criam vida. Descubra agora