Capítulo 10 - Marcado

31 4 1
                                    

Naquela noite Mikaela dormiu muito pouco, somente por quase duas horas antes do despertador tocar.

Quis muito poder ficar um pouco mais, assim como fazia quando era mais jovem, mas esse tempo bom havia ficado para trás. No fundo ele sabia que era inútil tentar ignorar o tempo, que nitidamente corria contra ele, contribuindo com aquela rotina louca na qual sua vida havia se convertido ultimamente.

Mikaela se sentou vagarosamente enquanto seus olhos se acostumavam com a claridade que entrava pelo grande vitrô de seu quarto. Às vezes acontecia de seus pensamentos serem tantos, como aqueles que afugentaram o seu sono pela madrugada adentro.

E quase sempre ele se arrependia depois por não ter sido capaz de evitar a insônia.

Bocejou e quando se levantou simplesmente se arrastou até o banheiro, ignorando aquela vontade de voltar correndo pra debaixo das cobertas pra dormir mais um pouco.

Sem deixar de xingar mentalmente aquele sono incomodamente atrasado. Mikaela escovou os dentes imaginando como seria o seu dia com aquele mau humor desgraçado, pois sabia muito bem como ficava depois de uma noite mal dormida.

Depois de tomar um bom banho e vestir qualquer roupa que fosse minimamente adequada para o trabalho, o loiro finalmente deu as caras na cozinha de sua mãe.

"Bom dia, menino bonito." - brincou Muriel, sem deixar de notar que aquela roupa toda preta parecia combinar perfeitamente com a cara de poucos amigos de seu introspectivo filho.

"Bom dia." - ruminou o loiro, indo beijar o rosto da mãe.

Muriel não pôde deixar de franzir a boca ao detectar a entonação de voz carregada de indiferença. Por mais que tentasse entender, tinha a ligeira impressão de que jamais conseguiria converter o amargor que Mikaela nutria em seu ser...E ela podia culpar Desmond por isso. É logico que ela não era uma mãe irresponsável e alienada! Muriel tinha plena consciência de como seu poderia ser tóxico e autoritário, e de como de muitas maneiras extrapolava além dos limites que Mika poderia tolerar.

Como mãe e esposa, era muito difícil ver aquele abismo se formando no seio de seu lar.

"Seu pai já foi trabalhar." - ela disse mesmo sem ser perguntada, e se virou para colocar uma porção de ovos mexidos no centro da mesa enquanto seu filho se sentava do outro lado.

Uma das coisas que mais doía pra ela, era ver como Mikaela também parecia se fechar pra ela!

Onde tinha errado? Perguntava-se Muriel, se sentindo cada vez mais incapacitada para remediar aquela situação.

Analisou, por alguns segundos, o semblante estoico de seu amado filho enquanto ele mastigava uma porção de pão com ovos, assim...como se a comida não tivesse sabor algum.

Com um aperto no peito ela resolveu se sentar à mesa também, seus olhos tristonhos captando a dor que os olhos azuis tentava ocultar.

Muriel respirou profundamente antes de adquirir coragem pra abrir a boca.

"Filho..." - ela parou de falar no instante em que a mirada fria e azul recaiu sobre o seu semblante.

"O que foi, dona Muriel?" - indagou ele, antes de enfiar um pedaço de pão com ovo dentro da boca.

Muriel engoliu em seco.

Sim, era muito difícil pra ela também! Ver os dois homens mais importantes de sua vida se desentendendo desse jeito.

"Filho, procure dar tempo ao tempo." - começou ela, aos tropeços - "Você sabe, com o seu pai."

Ela sabia que ia dar nisso.

Cortina de Fumaça Onde histórias criam vida. Descubra agora