Capítulo 7 - Noite longa

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Talvez fosse somente impressão de que o tempo tinha parado ou simplesmente estava passando bem lentamente, à conta gotas, enquanto seu "digníssimo" pai bostejava pela boca um discurso egocêntrico e regado a pequenas doses de um humor bastante questionável, que não passava de uma seleção de piadas de gosto duvidoso que pareciam ter sido escolhidas a dedo para a ocasião.

Era quase como se tivesse voltado no tempo, quando ainda era um garotinho amedrontado e fortemente oprimido pelo seu progenitor pelo simples fato de brincar com a comida no prato, pois era exatamente isso o que Mikaela estava fazendo ao separar as uvas passas de seu fricassê de frango.

Distraído, ele não deu atenção quando ouviu o riso distante de sua noiva, que aliás parecia lidar com a situação de uma maneira bem superior às suas tentativas frustradas em ser apenas um coadjuvante de sua própria existência. No fundo Mikaela ainda agradecia aos céus por passar despercebido, como um mero expectador sem opinião e sem o mínimo de vontade de fazer algo pra mudar aquela sua situação patética.

Até que...

"Meu filho, não está com fome?"

O nomeado sentiu-se na obrigação de endireitar a postura, algo que era automático quando alguém se encontra em uma situação de eterna vigilância, o loiro encarou o semblante preocupado de sua mãe.

"Tudo bem mãe, eu já estou satisfeito."- ele respondeu secamente, num tom de voz baixíssimo enquanto voltava a se concentrar nas benditas uvas passas.

"Se estivesse numa batalha..."

Mikaela apenas ergueu bem as sobrancelhas quando Desmond lhe lançou a indireta, nem queria sabar o que aconteceria se ele resolvesse simplesmente rodar os olhos para o pai.

"Garanto que agradeceria a Deus por cada uma dessas uvas!"- Des completou seu raciocínio, gesticulando minimamente com uma das mãos.

Era só o que faltava! A ponta da língua do loiro até coçou pra lançar a resposta, mas ele engoliu em seco logo em seguida empurrando tudo goela abaixo, mais uma vez. Acontece que ele estava cansado de discutir por nada, até chegou a considerar engolir todas aquelas malditas uvas se isso lhe proporcionasse algum minuto extra de paz.

Só de pensar em se indispor com Desmond Vassilly, já lhe causava arrepios.

Não ia brigar pra que sua opinião fosse considerada, não valia a pena! Já sabia que ali ele não apitava em nada, nem mesmo por seu gosto de comida ou por questionar a maldita mania que as pessoas tinham de colocar uvas passas em tudo ultimamente. O que ele mais queria nesse momento é que o tempo passasse rápido, ou que pelo menos esquecessem que ele estava ali.

Mas sua mãe parecia não perceber sua angustia.

"Prometo fazer a comida do jeito que você gosta da próxima vez, filho." - lamentou Muriel.

Mika sorriu de lado minimamente e depois olhou para sua mãe.

"Não precisa dona Muriel, está perfeito assim." - mentiu só pra receber em troca o sorriso de sua mãe, afinal ele só queria que aquela pataquada chegasse ao fim.

O toque morno no alto de sua coxa serviu como um acalanto, era o jeitinho que Akane tinha de demonstrar empatia, e Mika só podia se agarrar a isso no momento.

Era ridículo que no auge de sua maturidade estivesse se sentindo como uma criança desprotegida e traumatizada pelo abuso de autoridade de seu pai repressor! Inclusive podia sentir o olhar julgador sobre si nesse exato momento.

Sem querer Mika fez o maior barulhão quando abandonou o garfo no meio do prato, num movimento brusco e completamente não intencional! Moveu-se no assento da cadeira e, por Deus, parecia que estava sentado sobre um formigueiro, enquanto sua perna inquieta balançava nervosamente...ele passou o braço por cima dos ombros da noiva, como se fosse a única maneira de manter a pouca sanidade mental que havia sobrado em seu ser.

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