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Faz uns anos que vivo nesta agonia e não consigo sair.

Meu nome é Rodolffo Ayres, filho do grande empresário,  Carlos Ayres, ex dono da famosa cadeia de restaurantes Ayres gourmet.

Eu administrava o negócio juntamente com o meu pai e tudo parecia ir bem, ou eu julgava que tudo estava bem.

Conheci Clara, uma das nossas gerentes, numa das minhas visitas.

Licenciada em gestão, trabalhava no principal restaurante do grupo.  Dela dependia todo o funcionamento da casa.

Começamos por sair algumas vezes e acabámos a morar juntos aqui neste apartamento que foi o que me restou.

Meu pai adquiriu a compulsão do jogo e não tinha uma noite que ele não saísse para jogar.  Quando não tinha dinheiro recorria a agiotas.

A princípio ninguém ligou muito.  Ele conseguia camuflar os desfalques na empresa, mas a coisa tomou uma proporção que quando demos conta, nada havia a fazer.

O património já não existia mais.  Existia sim um monte de promissórias assinadas por ele.

Contratei alguns dos melhores advogados que apenas atestaram a veracidade das transações.

Desiludido, falido e sem trabalho, entrei na mais profunda depressão.
Consultei alguns especialistas, mas o tratamento não resultava.  Eram comprimidos e mais comprimidos e nada.

Clara depressa arranjou trabalho e é ela quem mantém a nossa casa.  Vivemos humildemente.  Ela sai para trabalhar e eu tento ajudá-la nas tarefas domésticas, mas nunca nada está bem.

Eu sinto-me incapaz de sair e procurar trabalho.  As crises de ansiedade, constantes mudanças de humor e dores impedem-me que o faça.  Não tenho dinheiro para especialistas muito menos para um internamento conforme me foi sugerido.

Clara sai de manhã e volta ao final do dia, por vezes já pela madrugada.
Nessas alturas eu questiono-a o que despoleta logo a ira nela.  Grita, agride-me e atira-me com objectos.

Tenho vergonha de contar isto.  Eu que nunca fui de me submeter à vontade dos outros  vejo-me agora sendo capacho de uma mulher.

Já ameacei muitas vezes ir embora, mas ela vem doce, que vai mudar, fazemos amor e nada muda.  No dia seguinte volta tudo ao mesmo.

Esta noite foi porque não gostou do arroz que eu fiz.  Era de ervilhas e ela queria de cogumelos.
Bateu-me com a tampa da panela e fiquei a sangrar do lábio.

Tocaram à campainha.  Era a vizinha que ouviu o barulho e veio reclamar.

Desculpei-me e voltei para dentro, mas logo voltou tudo ao mesmo.  Reclamou porque fiquei muito tempo de conversa com a vizinha e voltou a agredir-me desta vez com a panela do arroz que bateu na minha tempora e se estatelou no chão.

Limpei o chão e logo a seguir chega a polícia.
Queriam que fizesse queixa, mas eu não tenho força nem coragem.  Só queria que isto tudo terminasse.  Um dia eu dou um fim nisto.

Lamento, mas não estou bem.Onde histórias criam vida. Descubra agora