Capitulo 5

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Me despeço de meu avô e deito em minha cama pensando em tudo que se passou hoje. O melhor é dormir pra estar bem amanhã, mas o receio de ter o mesmo pesadelo outra vez me afeta. Porém nessa noite não tive nenhum sonho, nem tive sentimentos ruins. Escutei alguns barulhos, porém não vi nada em minha mente. Nada como a noite passada. Percebo que sempre que conto pra muitas pessoas, o sonho na noite seguinte perde a intensidade. Os sentimentos ruins continuam, porém não consigo ver ou lembrar de muita coisa no dia seguinte. Acordo pela manhã muito ansiosa pelo dia que terei.

Hoje é o quarto dia da semana. Dia de audiência com o povo. E como meu avô me disse ontem, ele quer que eu participe. Não sei como serão as reações mas estou ansiosa pra ver e estar mais perto do povo na questão política. Toda a minha vida tenho estudado sobre, e ter uma experiência com isso vai ser uma honra pra mim.
Me visto com vestes formais, coloco minha coroa e me dirijo a sala do trono. Paro na frente da porta com receio. Sei que serei julgada mais uma vez, que terei que ouvir comentários sobre a minha presença no local. Ainda que eu queira parecer confiante aos olhos dos outros, sinto um nó em minha garganta ao pensar que não sou o que a maioria espera de mim. Sei que tenho apenas vinte anos e isso é muito pouco comparado a experiência do rei, os anciãos e sábios do reino, além de ser mulher. Porém o rei me chamou, e como princesa de Shiak não vou recusar estar em frente ao povo, afinal só assistirei. Respiro fundo uma ultima vez e peço que abram as portas.

Ao adentrar a sala posso ver meu avô sentado com dois homens aos pés do trono lhe falando. Outros três estão abaixo conversando entre si. Bom, pelo visto não cheguei atrasada.

-Bom dia senhores.- Digo em alto e bom som enquanto me dirijo até o trono.

-Bom dia princesa.- Todos dizem juntos e fazem reverência enquanto passo.

-Bom dia princesa.- Diz o novo aprendiz do palácio para mim quando passo por ele.

-Bom dia Marcus. – Sorrio gentil pra ele e vou ate o rei.

-Precisa de algo vossa alteza? -me pergunta um dos homens presentes. Seu nome é Kete. Ele é chefe dos conselheiros.

“Vossa Alteza”. Falso.

- Não senhor, mas obrigada pela preocupação.- digo lhe dando um sorriso forçado.-  Bom dia vovô. – Digo dando um beijo nas mãos do meu avô.

-Bom dia meu amor. Já se alimentou? – diz meu avô me dando um sorriso ao sentir que estou com as mãos tremendo levemente por estar nervosa.

-Já sim. Estou bem.- disse lhe retribuindo o sorriso. Ele concorda com a cabeça e me diz para ficar ao seu lado.

Após alguns minutos ao lado do meu avô e ouvindo os homens falando, ouço alguns deles dizendo o quanto o povo traz assuntos fúteis para a presença do rei. Quem ele pensa que é pra minimizar assim os sentimentos do próprio povo. Não ia falar nada, porém quando percebi as palavras já estavam saindo.

-Não penso que qualquer problema que seja, que aflige o coração de alguém o suficiente para que precise falar com seu rei sobre isso, seja fútil. Isso significa que o povo confia no seu rei, não? – digo séria, pois aquilo realmente me incomodou.

-Ora princesinha. Vejo que seu coração é muito bondoso. Mas não se pode dar tudo que o povo quer. Senão ficam mal acostumados como crianças que precisam do pai para tudo.- diz um dos homens mais velhos que se encontram abaixo do trono.

-Ser rei, é ser pai de um povo. E um bom pai não ignora as dores de um filho. -digo internamente irritada por ter sido tratada com uma criança mimada.

-A princesa tem total razão. O povo deve descansar em seu rei e saber que ele ao menos os escutará. – diz Marcus para mim.

Conheci Marcus há alguns meses atrás. Estamos nos aproximando aos poucos. Ele me parece alguém muito reservado, porém muito gentil. Ele chegou ao Palácio para ser aprendiz dos conselheiros, e está se saindo muito bem. Sua companhia tem me ajudado muito quando Hala e Uri não estão.

Aceno com a cabeça pra ele. Ao menos um, concorda comigo. Sinto um aperto leve em minha mão e vejo meu avô segurando minha mão e lhe dando um beijo. Ele me dá um olhar orgulhoso e me sinto mais segura.

-Bom, independente do que achamos ou não. Creio que já esta na hora de começarmos a audiência. Mas acredito que teremos outro dia para conversarmos princesa. -aquele velho novamente diz ironicamente. Creio que ainda não sabe que dessa vez eu ficarei, e assistirei.

-Com certeza teremos. – digo ainda parada em meu lugar.

-Meu rei  -diz um outro homem.-  Não querendo ser rude. Mas o povo já deve estar esperando e não seria recomendado a princesa estar presente nesse momento. -diz aquele homem como se fosse algo óbvio a se entender.

-Pelo contrário. Seria bom o povo ver sua princesa presente. E hoje, Myshah, participará da audiência como parte do Conselho. –Diz meu avô agora com a postura reta no trono e olhando sério para todos. Viro meu rosto rapidamente para o meu avô o olhando surpresa.

Espera. Como assim, PARTE do Conselho? Ele não havia me falado nada sobre isso. Pensei que apenas assistiria. Porém não posso desmentir ou questionar o rei agora, e ainda mais na frente desses homens que já me tratam como se fosse fútil e infantil. Apenas continuo como se já soubesse de tudo. Porém isso me deixa mais insegura ainda. Isso é muita responsabilidade, não posso falhar logo agora.

-Como assim meu rei? Não pode estar falando sério. –dois dos homens comentam enquanto os outros me olham com incredulidade e cochicham algumas coisas.

-Pareço estar brincando? -vejo meu avô dizer sério.

-Majestade. O senhor já quebrou a tradição quando aceitou mulheres no exército. Mas isso? Uma mulher no Conselho. Tudo tem limites. O povo não aceitará tal coisa. -mais uma vez o tal conselheiro Kete diz, porém agora claramente indignado.

Entendo sua surpresa e até mesmo sua resistência quanto à isso. Afinal, não é algo comum ou considerado normal. Porém isso não lhe dá o direito de questionar o rei.

-Sim. Tudo tem limite. Inclusive, existe um limite ao expressar sua opinião, que beira a insolência. É uma decisão minha, e não serei contestado, senhor Kete. -meu avô diz de forma fria.

-Sim senhor. Perdoe-me. Apenas estou um pouco... Surpreso. – diz o tal homem engolindo o próprio ego e olhando pra mim com raiva.

-Esta perdoado. Porém que não ocorra outra vez. Todos em seus lugares, vamos começar a audiência. -meu avô diz e logo após acena com a mão para que os soldados abram a porta para o povo entrar.

Vejo Raffá entrar na frente de algumas pessoas as guiando. Ao me ver ao lado do meu avô faz uma cara confusa. Acho graça de sua expressão e lhe faço uma leve reverência sorrindo. Ele dá um sorriso quase imperceptível, faz o mesmo e sai.

Vejo as pessoas fazendo fila na frente do trono e me sinto ansiosa e pressionada. Espero não fazer algo errado.

A tempestade de ShiakOnde histórias criam vida. Descubra agora