Capítulo 3

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Março de 2024 Dias atuais

      Os olhares cruzados através espelho não se desconectaram nem por um milésimo de segundo, as palavras não ditas suspensas numa nuvem de tensão que parecia prestes a explodir, tal qual os corações que batiam descompassados dentro do peito.

      — Noemi — Alejandra pronunciou com a voz contida, quase formal.

      A morena deixou os braços caírem ao lado do corpo e ousou dar um passo à frente, aproximando-se da bancada e, consequentemente, de Castelo.

      Noe sentiu seu coração bater ainda mais forte ao ouvir a voz dela, como se fosse uma confirmação de que a sua presença era mesmo real. Alejandra Cardona estava bem ali, a centímetros dela. A não ser pelo corte de cabelo na altura dos ombros, não havia mudado quase nada. Continuava estilosa e extremamente linda. A blusa corset de um rosa clarinho fazia um leve contraste com a sua pele oliva, a saia preta de couro ia até à metade das coxas, abraçando perfeitamente suas ancas. Usava uma maquiagem leve e um gloss que destacava seus lábios em formato de coração. Os saltos médios faziam-a parecer mais alta.

      Noemi forçou seus olhos teimosos a não irem para além do rosto dela. Não podia perder o foco, embora o seu semblante não escondesse de maneira alguma o quanto estava afetada. Desviou o olhar depois de Alejandra e abriu a torneira, agindo como se ela não estivesse ali e os segundos anteriores não fossem nada mais que produto da sua imaginação. Sentindo-se levemente tonta e com o corpo dormente, fechou os olhos por um instante enquanto espalhava um pouco de sabonete líquido nas mãos.

      O silêncio permaneceu enquanto lavavam as mãos e lançavam olhares de soslaio uma para a outra.

      A mente e o coração de Castelo estavam uma bagunça. O lado da razão lhe dizia para continuar ignorando Alejandra, pois, se ela tivera coragem de lhe atirar todas aquelas acusações e tratá-la da maneira como tratara, dela não deveria receber mais do que indiferença. A emoção, entretanto, dizia-lhe que não havia mal algum em querer saber como ela estava e, quem sabe, tentar manter uma conversa minimamente cordial. Afinal, seis anos não eram seis dias, então alguma coisa poderia ter mudado.

      Porém, Noe sabia também que não seria bem assim, uma vez que, certas coisas que se encontravam guardadas dentro de si — e que fizera questão de enterrar e fingir que nunca havia sentido —, impediam que agisse como se nada tivesse acontecido. Ela não era assim e não se forçaria a mudar. Alejandra com certeza tinha passado por muita coisa, mas não apagava o fato de ter sido extremamente injusta e cruel com ela.

      — E então? — a morena falou, fazendo o coração de Noemi voltar a acelerar.

      Por um milésimo de segundo, Castelo julgou ter sido algo da sua cabeça, mas não demorou a perceber que não, quando María completou:

      — Como você está?

      Noemi fechou lentamente a torneira os olhos fixos nas gotículas de água que escorriam pelo ralo.

      Diferente do que imaginava pouco tempo depois de Alejandra ter ido embora, não sentia nem um pingo de euforia pelo momento. No lugar, existia incredulidade e uma pontada de raiva.

      Por que raios María estava perguntando?! Por que queria saber? Por que estava ela ali, para começo de conversa?!

      Noe estava ciente de que os pais dela viviam na cidade, bem como de que ela tinha liberdade de ir e vir quando bem entendesse. Mas, ainda assim, não era justo consigo. Não era justo quando ela mesma havia deixado claro que a odiava e que esperava não ter que olhar na sua cara. Não era justo que estivesse ali, dirigindo-se à mulher que acreditava tê-la magoado como se estivesse tudo bem. Afinal, não era ela quem tinha ido embora sem olhar pra trás, e permanecido longe por anos? Aquela era a cidade que vira Castelo nascer e que ela tinha como lar desde que se entendia por gente, então não era justo.

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