Capítulo 5

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      — Filha, desliga o fogo pra mim, por favor — Milena gritou do quarto.

      Noemi deixou o celular de lado e acatou o pedido da mãe. De seguida, pegou uma travessa de vidro e serviu o feijão para levar à mesa.

      As janelas encontravam-se abertas, permitindo entrar um vento agradável na ampla sala com mezanino aberto — onde ficava o escritório —, mantendo a casa fresca.

      — Ergue essa cabeça, mete o pé e vai na fé — Castelo cantarolou baixinho, balançando sutilmente o corpo no ritmo da música.

      — Manda essa tristeza embora — Milena completou entrando na sala.

      Começou a sambar e puxou Castelo para acompanhá-la. Por baixo do avental vermelho de cozinha, usava um vestido castanho solto que balançava conforme se movia. Os chinelos em seus pés eram de um bege escuro, assim como a blusa de gola alta e sem manga que Noemi trajava com o short branco de alfaiataria e as sandálias BK da mesma cor.

      Rindo, Noe se deixou levar, acompanhando os movimentos de Milena. Durante a semana, sua mãe já era consumida quase que ao extremo pelo trabalho no escritório de advogacia, então merecia uma pausa para relaxar e se conectar com os seus.

      — Pode acreditar que um novo dia vai raiar — cantou mais alto e começou a bater palmas no ritmo.

      Milena finalizou:

      — Sua hora vai chegaaar.

      — Muito bom, muito bom! — elogiou aplaudindo-a.

      Sua mãe fez uma reverência sútil.

      — Obrigada, obrigada.

      A música mudou para uma lenta e as duas voltaram para a cozinha.

      — Mãe, você lembra da Alejandra? — Noemi indagou de repente enquanto enchia outra travessa com arroz.

      Ainda que tivesse decidido e deixado claro para Laila e Ícaro que aquele era um assunto morto e enterrado, quis compartilhar com a sua mãe, que era a sua melhor amiga e conselheira.

      Milena parou o que estava fazendo e encostou-se à bancada de mármore claro, fitando a filha mais velha.

      — Acho que eu não me esqueceria nem se quisesse, depois de tudo o que aconteceu — confessou, referindo ao estado deplorável de Castelo após a partida da ex-namorada.

      — Ela voltou.

      Milena ergueu as sobrancelhas, demonstrando surpresa.

      — Como assim? Ela te procurou? — indagou, curiosa.

      — Não, a gente se encontrou por acaso.

      Noemi então contou como havia acontecido, talvez omitindo certos detalhes sobre como o reencontro a fizera sentir, e o quanto Alejandra Cardona ainda fazia seu coração errar batidas.

      — Ok, você se sente mal apenas por ter se alterado com ela ou também por ter exigido saber o motivo da volta dela?

      Castelo pensou um pouco antes de responder:

      — Eu não sei, sinceramente. Por um momento eu achei que tivesse o direito de saber, mas...sei lá, ao mesmo tempo não fazia sentido, sabe? Ela escolheu ir embora e encerrar a nossa história daquela forma, então eu deveria fazer o mesmo, não?

      Milena fitou-a em silêncio e suspirou.

      — Senta aí — pediu, indicando uma das banquetas. Quando Noe acomodou, ela fez o mesmo. — Se você quer realmente superar tudo isso e seguir em frente sem sentir que o passado te prende, ignorar o que vocês viveram não é a solução. Até porque a negação não vai anular nada do que você sentiu. Muito pelo contrário. O esforço que você faz pra se convencer de que não foi nada demais só te desgasta. E o fato dela fingir que nada aconteceu, não significa que você tenha que fazer o mesmo. Você é mais do que isso.

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