XI

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Quando chegamos às sobremesas, eu pedi um petit gateau com uma bola de gelado. O David pediu uma panacotta.
Não me consigo fazer uma cronologia da nossa conversa, mas acabámos o jantar a falar das nossas relações. Não tem ninguém. Teve uma namorada à alguns meses, mas nada que tenha tido muito significado. Não o marcou.
Ouviu-me com especial atenção enquanto falava da minha relação.
- Percebo que não é uma relação feliz.- Interrompe-me.
- Porque dizes isso? - Pergunto surpresa com a sua intervenção.
- Porque noto no teu olhar que não estás feliz. Que neste momento sentes qua a tua relação é um fardo pesado demais para carregares. E não consegues libertar-te desse peso.
As suas palavras atingem-me como um murro de um pugilista. Talvez porque no fundo, sei que o que diz é a mais pura das verdades. Muitas vezes penso o que poderei estar a perder de bom na vida, por me manter presa a uma pessoa que já nada acrescenta à minha vida. Que, aliás, só me atrasa.
Fico estática, quando o vejo retirar uma colherada da sua sobremesa e apontar a colher em minha direção.
O que está a fazer? Pergunto-me.
Oh meu deus! Vai dar-me a panacotta à boca.
Provo, está ótima. Enquanto saboreio de olhos fechados, foco-me mais no sabor secundário. O dos seus lábios. Estiveram em contacto com esta colher e o meu corpo estremece de cima a baixo com a sensação na minha boca. Demoro um pouco mais do que o normal a abrir os olhos e voltar à realidade. Sinto um calor perto do rosto. Um cheiro a perfume masculino. Extremamente perto. De seguida, um subtil toque na minha mão. Abro os olhos e o David está com a cara deliciosamente perto da minha.
Sinto uma vontade intensa em beijá-lo. Imagino como será na cama. A sensação que tenho deste pequeno toque alerta-me para o que poderia sentir com a sensação da sua pele a tocar na minha.
Mas não o posso fazer. Não está certo. Não posso ter condenado o Ricardo pelo que me fez e por ser um traidor e fazer o mesmo. Não sou essa pessoa. Mas meu deus, não está a ser fácil.
- David... Digo, com a respiração forte.
- Não precisas dizer nada. Mesmo que não o faças, eu sei o que tu queres. Consigo senti-lo.
Toca-me levemente com o indicador pela face. Sinto o toque como uma leve pena.
- És tão bonita. Não deixes que te tratem de forma desrespeitosa. Mereces melhor. E eu vou estar por perto, para quando percebas isso.

Dois meses depois.
Já passaram quase dois meses desde que comecei a trabalhar no resort. Continuo a amar.
Conheci o meu chefe no dia em que entreguei o projeto digital. Recebi inumeros elogios e ficaram todos muito admirados. Senti-me orgulhosa.
Tenho tido alguns encontros pontuais com o David. Umas vezes vamos beber um café perto do resort, mas também já demos alguns passeios de carro. Este último é o meu favorito. Adoro passear com ele, ouvir música alta enquando recebemos o ar puro que entra pelas janelas do carro. Rimos muito e parece que já nos conhecemos à uma eternidade.
Os nossos colegas do trabalho uma vez ou outra já insinuaram que temos um caso secreto, uma vez que o David é um pouco resguardado e introvertido e comigo, é bem mais solto e alegre.
Não adoro que digam isto, uma vez que tenho namorado e não quero que este assunto chegue aos ouvidos do Ricardo. No entanto, tenho um gostinho especial que este rumor circule pelo resort, porque mantenho a concorrência feminina afastada. Desde que não saía deste meio.
Já tenho as chaves da minha casa nova. Ou da casa da minha mãe. Que a partir deste momento será a minha nova casa. E do Ricardo.
Comecei a transportar algumas caixas na última semana e com o tempo que tenho, que não é muito, tenho tentado organizar o máximo possivel.
O Ricardo está muito ocupado com os amigos, a curtir a vida. Parece que não tem tempo para me ajudar. Continua a procurar trabalho mas não consegue nada. Começo a achar que prefere esta vida de boémia à vida de responsabilidades.
Cada vez temos estado mais afastados. Encontramo-nos ao jantar esporadicamente, quando não combina com os amigos.
Quando chega a casa, já estou a dormir. E eu, como tenho trabalhado até mais tarde, às vezes chego a casa e já está ele num profundo sono. Não tenho trabalhado até mais tarde. Na realidade, atraso um pouco o meu trabalho para poder ficar até mais tarde com o David. Ao final do dia, ficamos apenas os dois no escritório. Costuma ir buscar um sumo à coffee station e leva-me a ver o pôr do sol nas dunas que existem por detrás do resort. É lindo.
Num destes dias que saí mais tarde, fui jantar com o David. Era feriado e àquelas horas já não haviam restaurantes abertos. Fomos a um McDonalds perto da minha nova casa. Mas também estava quase a fechar, pelo que tive a ideia de o convidar a comer na minha nova casa.
- Não tenho ainda mesa nem cadeiras. Aceitas comer no chão?
- Aceitaria comer ao relento, desde que fosse contigo. - Diz imediatamente.
Quando entrámos em casa, apresento-a rapidamente. Ainda está um caos. Não posso negar, que tenho um nervoso enorme de estar aqui com o David. Penso o que aconteceria se o Ricardo, por alguma razão aparecesse aqui e me visse a jantar com um total desconhecido. Para ele.
Já tenho a TV montada e consigo colocar alguma música a tocar de fundo. Ambos gostamos muito de música. Eu escolho e uma e de seguida ele escolhe outra e vamos cantando como se estivessemos num karaoke.
A casa está gelada. Deixo sempre as janelas abertas, para circular o ar e para sair o pó das pequenas obras que temos feito. E a noite não está propriamente quente. Sinto como lentamente se aproxima de mim. Mantendo sempre a distância de segurança.
- Adoro esta música. - Diz.
Começa a tocar uma musica que eu também adoro. « Wanna be yours » dos Arctic Monkeys.
Vamos cantado esta música alternadamente e quando me apercebo estamos a cantá-la olhando profundamente nos olhos um do outro.
Ele vai aproximando-se lentamente. Eu não me afasto. E beijamo-nos.

2 Dias Depois
Nunca pensei ser capaz defazer tal coisa. Sou igual a ele. Tenho uma sensação horrivel em mim. Preciso terminar com isto. Não me sinto bem, não me sinto feliz. Estou prestes a mudar-me para voltar a ter o meu próprio espaço e não queroque o Ricardo venha comigo. Tem vindo a roubar-me a paz a cada dia que passa. Sinto-me a perder a identidade.
Espero que chegue a casa e peço-lhe que venha comigo ao quarto. O meu pai está na cozinha a assistir o seu programa da hora de jantar.
- Não me sinto mais feliz com isto. - Digo.
- Com isto o quê? De que é que estás a falar?
- Com isto. Conosco. Com esta relação. Acho que deveriamos seguir cada um com a sua vida.
- Deves estar cansada. Precisas dormir. A nossa relação está muito bem.
Não posso acreditar que me esteja a dizer isto. Sei que acredita no que está a dizer. Acha que a relação está no seu melhor e que estamos felizes. Mas não estamos. Para mim é o fim. E peço-lhe que saía de casa.
Quando finalmente consigo fazê-lo ver que estou a falar a sério e que pretendo que se vá embora a sua reação é rir-se. Disse-me que não vou ser ninguém sem que esteja por perto. Mas cede ao meu pedido.
No outro dia de manhã, olho-me ao espelho. Tenho uns papos enormes debaixo dos olhos por ter chorado toda a noite. Consegui dormir no máximo 2 horas. Tenho algumas mensagens do David, mas neste momento não estou em condições de falar com ninguém, no entanto quando chegar ao trabalho vai perceber que algo se passa.
Quando chego ao resort, abro a caixa de emails. Tenho vários por ler e tratar, mas vejo um que está com o simbolo de alta importância. É do meu chefe. Pede-me que me dirija ao seu escritório com suma urgência.
Deixo a minha mala no cacifo e antes mesmo de preparar o meu café para começar mais um dia dificil de trabalho, faço o que me foi pedido.
Quando bato, ouço a voz do meu chefe autorizando-me a entrada.
- Bom dia. Vi o seu email a pedir que me diriji-se ao seu escritório. Em que posso ajudar?
Calculo que me vá pedir algum outro documento digital uma vez que gostaram tanto do último que fiz.
- Sente-se por favor.- Diz. A sua voz revela alguma dureza.
Faço o que me pede. Sinto-me a ficar ansiosa sem saber bem o que pretende com esta reunião. Apenas estamos os dois na sala.
- Recebemos algumas queixas relativamente à sua conduta. - Diz, com um olhar rispido.
- Minhas? Que queixas?
Não consigo entender. Sou sempre o máximo atenciosa possivel e faço tudo o que está ao meu alcance para agradar os clientes.
- Recebemos um email de um cliente a indicar que teve um encontro consigo para a venda de uma das casas e que foi extremamente rude e que o incentivou a não comprar a casa referindo que a mesma não estavam coberta pelo seguro, que as estruturas não eram seguras o suficiente, que no inverno sofria de humidades entre outras coisas que endentemos serem bastante graves.
- Isso não é verdade! - Digo. Um calor avassalador entra em mim. De onde vem isto?
- E não é tudo. - retorquiu.
- Não é?
- Não. Foi nos também indicado que mantem uma relação amorosa com o formador David. O seu rendimento profissional tem vindo a diminuir desde que você entrou na empresa.
- O quê? Não pode ser, eu...
- Temos uma fotografia que comprova. Os dois, num restaurante romântico, num jantar à luz das velas e o David a dar-lhe algo à boca.
Meu deus. Não tenho como negar isto. Esta última parte é absolutamente verdade. E existem fotografias. Mas quem poderá ter feito uma denúncia destas? Alguém que me quer mal a mim? Alguém que não gosta do David e usa-me para o magoar?
- Peço imensa desculpa. Como posso remediar esta situação? Eu...
- Lamento imenso. Este é o seu último dia de trabalho neste resort. De facto, não precisa voltar ao seu posto. Pode recolher as suas coisas e sair. Enviaremos o pagamento dos dias que trabalhou.
O meu mundo desabou. Mais uma vez.

Espero-te um diaOnde histórias criam vida. Descubra agora