IV

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Estou a preparar o meu almoço quando o telefone toca. Tenho as mãos humidas mas seco-as rapidamente e atendo a chamada.

- Sim?

- Boa tarde, daqui fala o David dos recursos humanos do Resort onde entregou o curriculo esta manhã. Estaria disponivel para começar a formação já amanhã?

Não estava a contar arranjar trabalho assim tão rapido. Nem sequer terminei de organizar as minhas roupas e já tenho uma oferta de trabalho!

- Claro que sim. A que horas devo estar por aí?

- A formação começa às 9h.

- Muito bem, aí estarei amanhã às 9h.

Quando desligo o telefone atiro-me à cama e começo a saltar de alegria. Estou fora de mim. Queria muito um trabalho e sendo algo que não envolva comida, deixa-me realmente euforica.

Começo a procurar o que vestir. Algo que pareça profissional, mas não demasiado. Experimento uma e outra peça e então reparo que estou extremamente magra. As calças já não me assentam como antes. Não me apercebera do quão magra estava. Toda esta situação com o Ricardo tem me atingido mais do que imaginava.

Finalmente, após algumas tentativas, encontro umas calças um pouco mais justas e uma camisa já bastante gasta do meu anterior trabalho. Azul e branca às riscas. Disponho a mesma dentro do roupeiro de modo a não ficar com vincos e tê-la pronta a vestir amanhã de manhã.

Quando o Ricardo chega a casa para almoçar comigo apercebe-se de imediato da minha mudança de humor desde esta manhã. Talvez por me ter ouvido cantarolar quando entrou.

- Estás muito animada. A que se deve essa alegria? Diz com ironia.

- Consegui emprego! Num resort, passei por lá esta manhã e....

- Num resort? Achas que isso é um sitio para ti? retorquiu.

- Como assim, "um sitio para mim"? A alegria desvanesce-se num ápice.

- Não sei, não me parece que combine contigo. Tens muita experiência com restaurantes, talvez um resort seja demais.

As suas palavras atingem-me como uma faca que entra lentamente. Como pode dizer-me uma coisa destas?

- Não sei porque motivos pensas isso, mas eu sei que sou bastante capaz de trabalhar num resort. Nem sequer te disse em que secção vou trabalhar e fizes-te de imediato questão de dizer que não sou capaz.

- Desculpa, não foi bem isso que quis dizer. Só não quero que acabes por te magoar por te dizerem que não tens o perfil ideal.

Decido mudar de assunto. Não quero mais falar disto com ele. Com poucas palavras consegue tirar-me a alegria.

- Tens fome?

- Tenho, mas não de comida... - Diz, aproximando-se de mim, com o tom de voz diminuido. Consigo ver os seu rosto a ganhar um tom rosado e entendo o que quer.

Perdi há muito o desejo sexual por ele. Algo que em tempos era quase um desejo animal, tornou-se uma fugida constante ao toque. No entanto cedo à sua vontade. Não sei bem porquê. Na verdade até sei. Se o fizer agora, não terei que o fazer de noite quando estiver cansada. Os últimos anos têm sido assim. Dou-lhe o sexo que pretende, ansiosa que termine e assim garanto pelo menos um dia de descanso.

Levanta-me nos seus braços e transporta-me para a cama. Retira-me a roupa e começa a beijar-me o corpo. Não consigo explicar a sensação que tenho. Tudo o que sei é que a minha vontade de aqui estar é nula.

Quando terminamos o sexo mais sem graça do universo, vejo que está pensativo.

- Em que pensas? Pergunto, apreensiva.

- Estou a pensar no que acabou de acontecer. Já não tens desejo por mim. - Diz.

- Claro que tenho. Sempre tive e sempre terei. Só ando mais concentrada em organizar a nossa vida que acabo por ficar mais apatica noutras coisas, - minto.

Sinto que quando tenho abertura para expor os meus sentimentos reais, não o consigo fazer. Poderia aproveitar este momento para confessar que não tenho o minimo desejo por ele e que há muito tempo que é um esforço ir para a cama com ele. Mas não consigo. Apesar de tudo, continua a ser-me dificil imaginar a minha vida sem ele e todo o caos que me trás. Então opto por mentir. Uma e outra vez.

Espero-te um diaOnde histórias criam vida. Descubra agora