A comida daqui é horrível. Acho que eles esqueceram que apagaram a minha memória e não o meu paladar, ou talvez, eles querem me fazer acreditar que também perdi o paladar, pois a comida que me têm dado não tem gosto nenhum. A cada quatro horas eles abrem a porta do banheiro e esperam que eu entre antes de deixar as refeições na sala de paredes acolchoadas, eles nunca o fazem quando estou na divisão.
A contagem marca 144 horas, 10 minutos e segundos decrescente. Num lugar com tão pouca coisa para fazer, aprendi a me divertir olhando para os números que preveem a minha morte.
Das poucas vezes que voltei para o banheiro, analisei o que estou vestindo. Acho que não poderia ser nada menos que um conjunto constituído por uma calça e um T-shirt branco e folgado. Se por acaso eu não morrer quando essa contagem regressiva terminar, poderei me vangloriar para quem quiser ouvir-me que já me fantasiei de recém-interna em manicômio.
Tenho quase certeza que estou sendo observada. Tenho percebido lampejos de câmeras minúsculas no teto e em alguns cantos da parede. Quando os vi, meu primeiro pensamento foi destruí-los, mas depois de pensar melhor, percebi que se eu os destruísse estaria fazendo um favor para a pessoa ou as pessoas que estão sendo obrigados a me vigiarem. Eles já devem estar cansados de me ver desmaiando e acordando, olhando para nada em específico, tendo pequenas crises de pânico, entre outras coisas, e se eu destruir as câmaras, eles vão se sentir aliviados.
Tenho feito o meu possível para não forçar a minha mente a nada, mas a dor de cabeça não diminui. Chegou a um certo ponto em que achei que enlouqueceria de tanta dor, isso se já não estou louca.
Atualmente, estou sentada exatamente no lugar onde acordei, pensando, sem forçar muito a mente, em tudo o que sei até agora.
Eu sou uma aberração, pronta a ser executada por razões desconhecidas. Supostamente tenho algo que devo contar a pessoas específicas. Conheço um rapaz de mais ou menos 23 anos, chamado Basiel, que abandonei em uma floresta, pedindo que cuidasse de pessoas das quais não tenho nenhuma lembrança. Ah, sem esquecer que tenho poderes. Das três, uma, ou tudo isso é uma grande piada, sou louca ou estou muito desinformada.
Esfrego as pontas dos dedos na têmpora para aliviar a pontada de dor que acabei de sentir.
Se tudo é uma grande piada, descobrirei a graça quando for a hora certa. Se eu estiver louca, espero que me curem o mais rápido possível. Mas se eu estiver desinformada, esta é a hora certa para remediar isso.
Com determinação pulsando em minhas veias, levanto-me do chão onde estava sentada, ignorando a dor que ainda lateja em cada parte do meu corpo. Cada passo que dou é um ato de desafio, uma declaração silenciosa de que não vou mais aceitar ficar às margens, ignorada e confusa.
Caminho até uma das câmeras que pontuam o ambiente, meu coração martelando no peito com uma mistura de medo e determinação. Com os olhos fixos na minúscula lente, começo a gritar, exigindo respostas para as perguntas que atormentam minha mente.
− Quero ver o Nelos. Agora!− exijo.− Não vou mais aceitar esse silêncio! O que está acontecendo aqui? O que vocês estão escondendo de mim?− grito, ignorando a dor de cabeça e a tontura que sucedem esse ato.
Minha voz ressoa pelo ambiente, carregada de emoção e desespero. Cada palavra é um grito de protesto contra o desconhecido que me cerca, uma tentativa desesperada de encontrar uma luz no meio da escuridão que me envolve.
Os segundos se arrastam enquanto espero por uma resposta, meus olhos fixos na câmera como se pudesse forçá-la a revelar seus segredos apenas com o poder do meu olhar. Mas o silêncio persiste, como uma muralha impenetrável que me separa da verdade que tanto anseio descobrir.
Mesmo assim, não recuo. A chama da determinação continua a arder dentro de mim, alimentada pela certeza de que não vou desistir até que todas as minhas perguntas sejam respondidas.
Minha raiva atinge seu ápice enquanto desabo sobre as câmeras, cada golpe alimentado pela frustração de ser ignorada e mantida no escuro. O som metálico de vidro quebrado ecoa no ambiente, uma sinfonia de destruição que reverbera pela sala vazia.
Mas antes que eu possa reduzir todas as câmeras a destroços, ouço uma voz familiar atrás de mim.
− Serás responsabilizada e castigada pelos próximos danos se não parar com esse escândalo.
Viro-me e olho para ele, ou melhor dizendo, para o holograma que o representa.
Meu coração dispara enquanto encaro a imagem projetada, uma mistura turbulenta de emoções lutando dentro de mim. A raiva ainda pulsa em minhas veias, mas é temperada pela esperança de finalmente obter algumas respostas.
Com os olhos fixos no holograma, minha mente está em turbilhão, ansiosa para confrontar o homem que se esconde por trás das sombras e segredos que têm assombrado meus pensamentos desde que despertei neste lugar estranho e desconhecido.
− Quero respostas!
− Não tenho a autorização para responder à nenhuma das tuas perguntas.
− Serei executada de qualquer jeito.
− Exato. Serás executada, então não faz diferença.− ele replica.
− Não sabes o quão insuportável é essa dor de cabeça, parece que a minha cabeça vai explodir a qualquer momento. Meu cérebro busca incessantemente respostas para justificar a minha existência e o sentimento que deriva da crença de que não existimos é horrível.− declaro com uma angústia crescente em meu peito.
Nelos me olha com uma máscara de indiferença inabalável, o que me dá vontade de chorar, pois ele não aparenta ter nenhuma empatia pelo meu sofrimento.
− Saiba que tudo o que está acontecendo contigo é bem-merecido. Se comparado com todas as vidas perdidas por sua causa, todo o mal que fizeste, todos os inocentes a quem mentiste por proveito próprio e tudo que destruíste, então você merece muito mais que isso.− sua expressão é de seriedade e o tom das suas palavras é do mais profundo desprezo.
Por um segundo, nego-me a acreditar que o que ele me revelou é verdade, recuso-me a imaginar toda a dor que ele diz que causei, mas por mais que eu não queira, minha mente inventa imagens aterrorizadores que eu não consigo afastar da minha cabeça.
As pontadas de dor de cabeça se fazem mais frequentes e insuportáveis. Paro de prestar atenção no holograma. Na verdade, ignoro-o totalmente.
Começo a tremer e suar frio. Queria sair da sombra da ignorância, agora queimo com a luz da verdade. Meus joelhos fraquejam e caio no chão, rolo sobre mim mesma numa tentativa vã de diminuir a dor crescente que se instala na minha cabeça.
Perante tais revelações, não consigo controlar a minha mente que está cada vez mais a procura justificar o que aconteceu, mas não consigo e isso está me deixando louca.
As palavras de Nelos ecoam no espaço ao meu redor, reverberando em minha mente como um mantra incessante. Cada revelação é como um soco no estômago, arrancando-me o ar e deixando-me atordoada.
Minha cabeça lateja com uma dor lancinante, como se estivesse sendo dividida ao meio, cada pensamento se transformando em um martelo implacável batendo contra meu crânio. Minhas mãos tremem enquanto tento assimilar a magnitude das verdades que ouço a cada palavra proferida pelo Nelos.
Uma sensação avassaladora de culpa me consome, como uma maré furiosa que ameaça engolir-me inteira. Cada respiração é um esforço; cada movimento, uma dor maior.
E então, em um piscar de olhos, tudo se torna escuro. A consciência se esvai como areia entre meus dedos, e me perco em meio à escuridão que me envolve.
A última coisa que ouço é o eco distante dos meus arrependimentos, umacacofonia de gritos de desespero que minha mente criou para me atormentar.
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160 horas para o fim...
Science FictionEla desperta em uma sala branca, estéril, com uma dor latejante na cabeça e um enorme ecrã à sua frente exibindo uma contagem regressiva: 160 horas. Sem memória dos eventos que a levaram até ali, ela está perdida e assustada. A confusão se aprofunda...