CAPÍTULO 1

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PRESENTE

– Impressionante. Olhe só o uso da luz e das sombras…

– Vê como esta imagem sugere a tristeza do lugar e, ainda assim, consegue passar uma promessa de esperança?

–....uma das mais jovens fotógrafas a ser incluída na nova coleção de arte moderna do museu.

Maiara Pereira saiu do grupo de visitantes carregando uma taça de champanhe quente, enquanto outro grupo de pessoas se entusiasmava com as mais de duas dúzias de fotografias em preto e branco expostas pelas paredes da galeria. Relanceou as imagens do outro lado do cômodo, pensativa. Eram boas fotografias – um pouco inquietantes, já que o assunto principal eram moinhos abandonados e estaleiros desolados fora de Boston –, mas ela não entendia o que todo mundo via nelas.

De qualquer forma, ela nunca via, Maiara apenas tirava as fotos; deixava sua interpretação e, ultimamente, sua apreciação, para outros. Introvertida por natureza, receber tantos elogios e atenção deixava-a desconfortável… mas pagava suas contas. Muito bem, por sinal. Esta noite, também pagava as contas de seu amigo Bruno, proprietário da galeriazinha de arte na Rua Newburry, que, a dez minutos do fechamento, ainda se encontrava cheia de possíveis compradores.

Atordoada com toda a cerimônia de conhecer, cumprimentar e sorrir educadamente, enquanto todos, das endinheiradas esposas de Back Bay até os góticos tatuados e cheios de piercings, tentavam impressionar um ao outro – e a ela – com análises de seu trabalho, Maiara mal podia esperar pelo fim da exposição. Estivera escondida nas sombras durante a última hora, ponderando uma escapada furtiva para o conforto de um banho quente e de seu travesseiro macio, ambos esperando por ela em sua casa do lado leste da cidade.

Mas havia prometido a uns poucos amigos – Bruno, Luisa e Maraisa – que iriam sair para jantar e beber após a exibição. Tão logo o último casal de visitantes concluiu sua compra e partiu, Maiara viu-se arrastada para dentro de um táxi antes que tivesse a chance de inventar uma desculpa.

– Que noite incrível! – O cabelo castanho e andrógino de Bruno caiu-lhe sobre o rosto ao inclinar-se diante das outras duas mulheres para tomar a mão de Maiara.

– Aquela galeria nunca teve tanto movimento nos fins de semana – e a receita das vendas dessa noite foi excepcional! Muito obrigado por me deixar expor sua coleção.

Maiara sorriu da alegria do amigo.

– Claro. Não precisa agradecer.

– Você não ficou tão mal, ficou?

– Como ela poderia, com metade de Boston a seus pés? – exclamou Maraisa, antes que Maiara pudesse responder.

– Aquele com quem vi você conversando perto dos canapés era o governador?

Maiara assentiu.

– Ele se ofereceu para comissionar algumas obras originais em sua casa de campo, em Vineyard.

– Que gentil!

– É – concordou Maiara, sem muito entusiasmo. Tinha vários cartões de visita na carteira – pelo menos um ano de trabalho árduo, se quisesse. Então, por que se sentia tentada a abrir a janela do táxi e jogar todos ao vento?

Passou a olhar para a noite fora do carro, observando com estranha indiferença, enquanto luzes e vidas passavam trêmulas. As ruas ferviam de gente: casais passeando de mãos dadas, grupos de amigos rindo e conversando, todos se divertindo. Jantavam em mesinhas do lado de fora de bistrôs badalados e paravam para admirar as vitrines das lojas. Em todo lugar que olhava, a cidade pulsava com vida e cor. Maiara absorvia tudo com olhos de artista e, mesmo assim, não sentia nada. Essa explosão de vida – incluindo a sua – parecia passar acelerada sem ela. Ultimamente, sentia-se encerrada em um círculo que a fazia dar voltas, aprisionando-a em um ciclo infinito de tempo que passava sem propósito nenhum.

O Beijo Da Meia Noite (G!P)Onde histórias criam vida. Descubra agora