CAPÍTULO 6

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No meio da semana, no ápice da temporada de verão, os parques e as avenidas de Boston ficavam repletos de humanidade. Os trens traziam as pessoas dos subúrbios para o trabalho e para os museus, ou para os incontáveis pontos históricos localizados por toda a cidade. Esquisitões com câmeras fotográficas subiam em ônibus de excursões e carruagens a cavalo para passear pela cidade, enquanto outros se enfileiravam para embarcar em passeios superlotados e exageradamente caros que os levariam até o Cabo Cod.

Não muito longe da agitação do dia, escondida a uns cem metros abaixo de uma mansão altamente segura nas cercanias da cidade, Marilia Mendonça se inclinou sobre um monitor de tela plana, no condomínio dos guerreiros da Raça, e praguejou uma maldição. Os registros de identificação dos vampiros apareciam na tela a uma velocidade assombrosa, enquanto o programa de computador procurava na gigantesca base de dados mundial por pares compatíveis às fotos que Maiara Pereira havia tirado.

– Nada ainda? – Perguntou, lançando um olhar impaciente a Zayn, o operador da máquina.

– Até agora, não. Mas a pesquisa ainda está rodando. O Banco Internacional de Dados tem alguns milhões de registros para vasculhar. – Os olhos castanhos escuros  penetrantes de Zayn reluziram sob a armação dos óculos escuros levemente prateados.

– Vou encontrar esses bastardos, não se preocupe.

– Nunca me preocupo – respondeu-lhe Marilia com sinceridade. Zayn possuía um QI fora de série, aliado a uma tenacidade quase infinita. Esse vampiro era tanto um cão de caça incansável quanto um gênio singular, e Marilia se alegrava por tê-lo ao seu lado.

– Se não conseguir encontrá-los, Zayn, ninguém consegue.

Sob os cabelos pretos e espetados, o guru computacional da Raça distendeu um sorriso convencido e confiante.

– É por isso que consigo as notas grandes.

– É, pode ser – comentou Marilia, afastando-se da interminável lista de informações que aparecia na tela.

Nenhum dos guerreiros da Raça que haviam se alistado para proteger a espécie do flagelo dos Renegados o fazia por qualquer tipo de recompensa. Jamais o fizeram, desde que a aliança havia sido organizada, durante o que foi, para os humanos, a idade medieval. Cada guerreiro tinha suas razões para escolher esse perigoso modo de vida, e algumas eram, sem dúvidas, mais nobres que outras, como Zayn, que havia trabalhado nesse campo de forma independente até que resolveu procurar a Marilia, quando seus irmãos gêmeos – ainda pequenos – foram assassinados pelos Renegados do lado de fora do Refúgio Secreto de Londres. Isso fora há três séculos, umas décadas a mais ou a menos.

Mesmo então, as habilidades de Zayn com uma espada só encontravam rival à altura nos golpes de sua mente afiada. Havia matado vários Renegados em sua época, porém, mais tarde, a devoção e uma promessa pessoal à sua Companheira de Raça, Sara, fizeram-no abandonar o combate em troca de manusear a arma da tecnologia a serviço da Raça.

Cada um dos seis guerreiros que agora combatiam ao lado de Marilia tinha seus talentos pessoais, e seus próprios demônios também, embora nenhum deles fosse do tipo afetado que quer um psicólogo vasculhando o traseiro com uma lanterna. Era melhor que certos assuntos permanecessem no escuro, e, provavelmente, o único que tinha mais certeza disso que a própria Marilia era um guerreiro da Raça chamado Willy.

Marilia cumprimentou o jovem vampiro quando este entrou no laboratório tecnológico saído de um dos numerosos aposentos do condomínio. Willy, envolto em seus usuais trajes negros, vestia uma calça de couro e uma regata sob medida que mostrava tanto suas tatuagens quanto as marcas mais elaboradas da Raça. Os enormes bíceps cobriam-se de intrincados arabescos que, a olhos humanos, passariam como algo estranhamente abstrato, uma série de símbolos interligados e desenhos geométricos delineados em profundos tons de hena. Já os olhos de um vampiro veriam os símbolos que realmente eram: dermaglifos, marcas naturais herdadas pelos antepassados da Raça, cuja pele sem pelos havia-se recoberto com pigmentos mutáveis e camufláveis.

O Beijo Da Meia Noite (G!P)Onde histórias criam vida. Descubra agora