CAPÍTULO 2

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Vampiros.

A noite estava cheia deles. Ela havia contado mais de uma dúzia na boate, a maioria rondando as multidões semivestidas e ondulantes, escolhendo – e seduzindo – as mulheres que abrigariam sua Sede naquela noite. Era uma relação simbiótica que servia bem à Raça por mais de dois milênios, uma convivência pacífica que dependia da habilidade dos vampiros em apagar a memória dos humanos dos quais se alimentavam. Antes de o sol nascer, muito sangue era derramado, mas, pela manhã, a Raça voltava para seus Refúgios nas Trevas dentro e fora da cidade, e os humanos dos quais eles haviam desfrutado não se recordavam de nada.

Mas não era esse o caso do beco ao lado da boate.

Para os seis predadores sedentos de sangue, aquela morte ilícita seria a última. Eram descuidados em sua fome; não haviam percebido que estavam sendo observados. Nem quando os vigiava na boate, nem quando os acompanhou do lado de fora, observando-os do peitoril de uma janela do segundo piso da igreja convertida em boate.

Estavam tomados pela Sede de Sangue, esse mal vicioso que uma vez já fora epidêmico entre a Raça, fazendo muitos de seu tipo se tornarem Renegados, assim como esses, que se alimentavam aberta e indiscriminadamente dos humanos que viviam entre eles.

Marilia  Mendonça não tinha nenhuma afinidade em particular com a raça humana, mas o que sentia por esses vampiros Renegados era ainda pior. Encontrar um ou outro vampiro assassino em uma única noite de patrulha numa cidade do tamanho de Boston não era incomum. Contudo, achar vários deles trabalhando em conjunto, alimentando-se a céu aberto, como faziam esses, era mais que preocupante. Os Renegados estavam se multiplicando, tornando-se mais ousados.

Algo deveria ser feito.

Para Marilia e para tantos outros da Raça, cada noite era uma expedição de caça, com o objetivo de expulsar esses poucos selvagens que colocavam em risco tudo o que a Raça dos vampiros havia construído com muito esforço. Esta noite, Marilia perseguia suas vítimas sozinha, sem se importar se estiverem em maior número. Havia esperado até que a oportunidade de atacar fosse excelente: assim que os Renegados tivessem satisfeito com avidez o vício que dominava a própria mente.

Após beberem mais sangue do que podiam aguentar, haviam continuado a atacar e violentar o corpo do jovem rapaz da boate, rangendo os dentes e grunhindo como se fossem uma matilha. Marilia estava prestes a agir rapidamente com a justiça e o teria feito, se não fosse pela repentina aparição de uma mulher de cabelos ruivos no beco escuro. Em um instante, ela havia estragado a caçada da noite toda: seguindo os Renegados até o beco e, então, desviando involuntariamente a atenção deles de sua presa.

Assim que a luz do flash do celular irrompeu na escuridão, Marilia desceu do peitoril escuro da janela e aterrissou silenciosamente na calçada. Tal como os Renegados, os olhos da Marilia ficaram parcialmente cegos com aquele lampejo no meio da escuridão. A mulher disparou uma série de flashes penetrantes enquanto fugia da carnificina, e esses disparos em pânico foram muito provavelmente a única coisa que a salvou da ira de seus parentes brutais.

Mas, enquanto os sentidos dos outros vampiros estavam desnorteados e letárgicos graças à Sede de Sangue, os de Marilia estavam cruelmente despertos. Tirou as armas do sobretudo preto – duas adagas idênticas forjadas em aço com bordas de titânio – e as agitou reivindicando a cabeça do Renegado mais próximo.

Mais duas cabeças se seguiram, e os corpos mortos se debatiam ao começar a rápida decomposição celular do fluido azedo que vertia e virava cinzas. Uivos animalescos preenchiam o beco enquanto Marilia decapitava mais um deles e virava-se para empalar outro Renegado pelo torso. O Renegado sibilou através dos dentes expostos e ensanguentados, com as presas gotejando sangue. Uns pálidos olhos dourados contemplaram Marilia com desprezo, as íris inchadas pela fome, engolindo as pupilas que se estreitavam em esguias fendas verticais. A criatura sofreu um espasmo, esticou os braços tentando alcançá-la e desenhou-se em sua boca um repugnante sorriso alienígena de desdém, enquanto a adaga especialmente forjada envenenava seu sangue de Renegado e reduzia o vampiro a uma mancha ardente na rua.

O Beijo Da Meia Noite (G!P)Onde histórias criam vida. Descubra agora