Capítulo 16

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Octavia

   — Bom dia filha, como foi com a Jett final de semana? — Minha mãe pergunta assim que sente minha presença ao pé da escada.
   — Foi legal — Caminho até a mesa e vejo que meus irmãos estavam todos reunidos, inclusive Ivarsen, que não estava nos últimos dias.
   Vou até a sua cadeira e lhe dou um abraço apertado por trás, o que o surpreende já que todas as vezes que a gente tinha um diálogo mínimo era para nos xingarmos.
   — Senti sua falta — Falo para ele.
   Apesar de sermos como cão e gato eu amava aquele imbecil. Certamente não pegaria um copo d' água para ele, mas lhe daria um órgão se precisasse.
   — Eu também senti. — Ele põe sua mão em cima das minhas que repousavam em seu peito e me oferece um sorriso.
Ivarsen tinha ido a uma viagem da faculdade uns dois ou três dias depois que eu fugi naquela noite, e hoje tinha sido a primeira vez que o vi desde então.
   — O que você tem? — Fane pergunta me olhando confuso.
   — Como assim?
   — Sendo carinhosa com o Ivar, você odeia ele.
   — Eu não odeio ele... o tempo todo. — Desfaço o abraço e me sento ao lado do meu pai que não tinha largado o celular desde que cheguei. — E você pai? O que você tem?
   — Tenho o que? Dinheiro? Precisa de dinheiro? — Ele diz sem tirar os olhos da tela. — Quanto?
   Ok, foco total. Homens não conseguiam fazer duas coisas ao mesmo tempo, isso incluía mexer no celular e falar com alguém simultaneamente. E não era coisa da minha cabeça, eu convivia com cinco diariamente.
   — Precisar eu não preciso, mas já que você ofereceu eu aceito. — Dou de ombros e ele finalmente larga o telefone.
   — Engraçadinha, agora coma. — Ele aponta para o meu prato com três waffles cobertos de mel.
   — O que era, amor? — Mamãe o questiona assim que vê seu semblante ansioso.
   — Vamos ter que ir a Nova York daqui uma semana. Eu, você e o resto do pessoal.
   — Como assim? Por que?
   — O Michael precisa de nós lá, alguma coisa haver com a Graymor Cristane. Ainda detesto o fato de não terem nos incluído nisso.
   — Damon, quando eles criaram a Graymor Cristane eles odiavam você.
   — Detalhes.
   Vejo minha mãe suspirar ao ver a reação de meu pai, ele não mudava nunca mesmo.
   — Quanto tempo?
   — Quatro dias. — Ele diz olhando para mim de relance e eu enfio um pedaço de waffle na boca.
   Quatro dias, caralho, finalmente livre.
   — Mas e as crianças?
   — Só o Aaron vai.
   — Estou falando das nossas crianças. — A mamãe rebate e me olha também.
   Tudo bem, eles queriam me falar alguma coisa? Não estava entendendo.
   — Em casa, eu espero. — Papai diz e varre o olhar por cima de cada filho, mas pousou em mim.
   Não que eu fosse pior que o Ivarsen, mas ele já era adulto e eu não.
   — Vocês podem parar de ficar me olhando, por gentileza? — Reviro os olhos e termino o meu suco em uma golada só. — É irritante.
   — Mais tarde conversaremos com vocês sobre isso. — Meu pai diz antes de tomar um pouco do seu café. — Agora vão para a escola, já está na hora.
   Me levanto e despeço-me deles indo até o hall de entrada pegando a minha mochila.
   Como sempre, ia com Dag e Fane já que Gunnar gostava de ir pilotando a sua moto junto com o Ivar até a faculdade, e apesar de ser meu sonho ter uma, não confiava muito neles para deixarem me levar.

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   Depois de alguns minutos Dag e Fane já haviam me deixado para trás indo se encontrar com alguns amigos mais a frente e droga, fazia muita falta não ter ninguém nessas horas, será que eu não era tão legal assim? Digo, a ponto de fazer uma nova amizade?
   Indo em direção a porta principal eu deparo-me com Kaden fumando encostado em um muro junto aos seus amigos não muito longe de mim.
   Merda, eu havia esquecido completamente que ele estava bancando o monitor junto com os seus amigos esquisitos.
   Mas, espere um pouco... aquele pingente no seu pescoço não me era estranho.
   Arregalo os olhos assim que percebo do que se tratava. Caminho em passos largos e fortes em sua direção, ele não tinha sido capaz. Porra.
   Antes mesmo de dar lhe dar um oi (se é que ele merecia), eu agarro o colar do seu pescoço e o puxo com força, fazendo a corrente se partir.
   — Bom dia, docinho. — Kaden diz sarcástico.
   — Além de psicopata você é ladrão também? — Pergunto-lhe furiosa. — Esse pingente foi o tio Michael que deu para as minhas tias e para a minha mãe, e ela me deu assim que fiz quinze anos. É o nosso medalhão. O que merda você estava pensando quando pegou isso?
   — Qual o problema em ter uma parte sua comigo? — Ele se aproxima de mim — Assim você vai estar presente até nos momentos mais íntimos.
   — Você é doente. — Guardo o medalhão do bolso da frente do meu blazer. — E vê se para de fumar, essa merda vai acabar te matando.
   Kaden apenas me olha de cima abaixo antes de se encostar de novo no muro, seus amigos completamente alheios a mim, como se eu sequer existisse.
   Ele bafora a fumaça e a sopra em minha direção, fazendo o cheiro familiar entrar em meus pulmões. Geralmente esse era o cheiro que eu sentia quando a tia Rika e o meu pai se juntavam.
   — Sai pra lá com essa fumaça cancerígena. — Me afasto e dou as costas voltando a fazer o meu caminho.
   Qual era o problema dele? Roubar era o seu novo hobbie ou ele já fazia isso antes? Será que ele tinha pego mais alguma coisa? Além do meu gesto caridoso em ajudá-lo quando a sua vida estava quase se esvaindo na minha calçada?
   Ouço passos apressados atrás de mim e bufo irritada, sentindo seu cheiro mentolado nas minhas costas.
   — Acho que você deveria parar de ser tão difícil sabe? Carrancuda e mal-humorada assim fica difícil de suportar.
   — Ninguém está te obrigado a me suportar, Dempsey. Você corre atrás de mim por que quer. — Subo as escadas que davam pra entrada e ele continuava caminhando ao meu lado.
   Seu ombro ficava a 10cm do meu, tão alto que era difícil não se sentir intimidada com a sua presença.
   — Estou achando que quem faz isso é você, ou por acaso não era você na corrida final de semana?
    Ele era um imbecil, e eu mais ainda quando lembro-me de torcer ferozmente pela sua vitória, afinal que merda eu estava pensando? Era óbvio que ele poderia me ver ou ficar sabendo que a Octavia Torrance vulgo seu chaveirinho de estimação esteve torcendo para ele ganhar. Não era muito difícil imaginar que me enxergavam desta maneira de fora, afinal, eu sempre cedia a ele e não sabia como parar.
   — Vai se foder. — Digo sem argumentos.
   Filho da puta.
   Paro em frente ao meu armário e o vejo se encostar no do lado, e propositalmente, reviro os olhos de uma maneira que fosse bem perceptível, até mesmo fazendo o mesmo movimento com a cabeça. Eu já não o suportava mais.
   De repente seu rosto que me transmitia diversão se fecha, e percebo que aquilo já havia se tornado um hábito. Ele realmente não gostava que fizessem esse gesto para ele, e bom... Ele fez eu me arrepender da última vez, ou, na verdade, querer mais.
   — Estou começando a achar que você revira os olhos de propósito para mim. — Ele se escora para mais perto. — Se a gente não estivesse em público agora e eu não fosse a porra do seu monitor bonzinho que tem que agir com decência. Eu juro que esse pescocinho não estaria mais aqui para contar história.
    — Você precisa controlar essa sua bipolaridade. — Fecho o armário agarrando meus livros contra o peito. — Final de semana você é um escroto, fala que se arrependeu de ter ficado comigo à noite e agora fala pra mim que adoraria ter o meu pescoço preso em suas mãos?
   — Eu disse que talvez tivesse me arrependido, não te dei certeza. — Ele se aproxima e fala perto do meu ouvido. — Mas se faz diferença pra você, eu gostei pra caralho.
   — Não faz diferença nenhuma, agora sai da minha frente. — Lhe dou um empurrão com o ombro e caminho em direção a sala.

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   Eu odiava esquecer a minha garrafa de água, essa água da escola tinha um gosto forte de algum produto químico e parecia que eu estava bebendo desinfetante, mas se não bebesse morreria de sede.
   Levo minha boca até o bebedouro tomando mais um pouco, fazendo uma careta assim que engulo, eca.
   Os corredores estavam vazios, não tinha uma alma viva ao redor. Estávamos recém no segundo tempo e acredito que faltava por volta de uma hora para o intervalo começar.
   Quando estava prestes a voltar para a sala escuto uma voz logo atrás de mim:
   — Olá! bom dia! — Me viro de supetão e dou de cara com o zelador novo da escola, ele estava cobrindo as férias do outro. — Desculpe interromper querida, mas você pode me ajudar a colocar esse balde de água no carrinho?
   — Bom dia, claro senhor! — Apronto-me em pegar o balde do chão e colocá-lo com um pouco de esforço em cima da plataforma. — Prontinho.
   — Obrigado, querida. — Ele diz e pega algo no bolso e de repente, me vejo em desespero. — Agora eu preciso que você me ajude de novo, e me siga.
   Ele mostrou o canivete em sua mão, sorrindo para mim com os seus terríveis dentes amarelos e olhos que antes eram meigos, agora se encontravam carregados de ódio.
   — Não vou a lugar algum. — Recuo pronta para correr, ele não faria nada comigo se eu entrasse em alguma sala.
   — Oh, não fique com medo. Se vier comigo ganhará muito dinheiro. Quero dizer, você é filha de Damon Torrance, e neta de Gabriel Torrance, o tanto de gente que compraria você somente por este motivo.
   — Gabriel Torrance sequer merece o título de avô. — Cuspo as palavras.
   Eu tentava ignorar o fato de ser neta de um ser tão desprezível.
   — Isso pouco me importa. Gabriel tinha muitos inimigos e se eles tiverem você para usar como bem entenderem, se sentirão vingados. E eu, consequentemente, irei nadar no dinheiro. — Ele aperta o canivete e o aponta para mim. — Agora não seja difícil e me siga, sua putinha.
   Será que... será que era por causa deste homem que o Kaden estava na escola? Ele disse aquele dia que estava correndo para tomar conhecimento se o dinheiro vinha do tráfico, e se ele realmente trabalhava com o isso, então significava que o seu trabalho também englobava o tráfico de pessoas.
   — Nunc... — A palavra fica presa na minha garganta quando o "zelador" agarra o meu pescoço com força, mas diferentemente de Kaden, ele o apertava para me desmaiar.
   Coloco as duas mãos em cima do seu braço e tento ficar na ponta dos pés, mas não consigo mais racionar. O oxigênio estava parando de ser mandado para o cérebro e minha visão estava começando a ficar turva, o desmaio vindo a galope.
   Decido colocar todo o meu peso para trás para que a gente caísse junto. Ele era velho e magro, não conseguiria me segurar com o impulso que estava prestes a fazer.
   Indo com toda a força que me restava em direção ao chão, consegui me soltar do seu aperto para puxar um pouco de ar, mas durou pouco já que ele montou em cima de mim e suas mãos voltaram a se enlaçar no meu pescoço.
   — Desmaie logo, vagabunda! — Ele diz alto e na mesma hora me arrependo de ter ido tão longe para tomar água.
   De repente algo molhado é espirrado em cima da minha camisa e quando me dou conta, percebo que se tratava de sangue. O aperto fica tão leve que é possível respirar naturalmente de novo.
   Quando olho para cima, vejo que a garganta do homem estava cortada, e então reprimo um grito enquanto mais sangue espirrava sobre mim.
   O peso é tirado de cima e vejo um do amigos de Kaden arrastando o corpo do homem enquanto Kaden limpava a faca na manga do moletom preto olhando para mim.
   — Você está bem? — Ele se aproxima ajoelhando perto de mim.
   Os amigos de Kaden começam a enrolar o corpo em um saco plástico enorme e tirar o lixo da caçamba do carrinho e tentam enfiar o corpo ali para poder sair da escola sem problemas.
   — S-sim. — Digo ainda traumatizada por ter visto alguém ter sido morto tão perto de mim. — E-estou b-bem.
   — Estou vendo. — Ele diz e enlaça seus braços ao meu redor, encaixando-os embaixo de mim e logo me erguendo. — Uma hora você se acostuma.
   — Você o matou... — Começo a raciocinar os acontecimentos.
   — O que eu disse que aconteceria se encostassem em você?
   Kaden começa a sair do corredor em direção à saída da escola, enquanto seus amigos terminavam de limpar a sujeira.
   Meu deus, eu havia testemunhado mais um homicídio.

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