Aniversário de Morte

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   Sangue quente e viscoso se espalhava rápido pelas minhas mãos, um coração parando de bater lentamente embaixo de mim, eu podia ouvir gritos histéricos de minha mãe e tiros, ainda sentia minhas lágrimas quentes descerem pelo meu rosto sem parar e cair em seu rosto lindo e calmo, sem tristezas e remorsos. Minha querida irmã.

   Um suspiro longo me tirou daquela memória antiga mas ainda tão presente como o céu que estava sobre minha cabeça, meu coração estava disparado, toda vez eu voltava tão vividamente que parecia estar acontecendo agora, naquele momento, mas já tinha se passado dois anos que meu mundo foi roubado de mim.

- Hannah Bernardi estou aqui pra te servir bebida é claro. - Um sorriso subiu ao meu rosto mas ele não era verdadeiro.

- E pra você senhor Han Donghyun, ou melhor, pai. Eu lhe trouxe um copo também, deve ser solitário, ou talvez o senhor esteja fugindo de seus inimigos jurados. - Uma risada sem graça.

   Servi três copos do melhor Whisky que eu tinha guardado, e virei o meu shot sozinha, sentada na grama em frente a lápide com duas fotos e datas gravadas em baixo, tão perto do hoje que me fizeram relembrar tudo.

- Pra surpresa do mundo, eu voltei pra Coréia, depois de 4 anos, e agora vou me firmar aqui, eu acho né, vou entrar em uma universidade e fazer dança como eu sempre quis e - Um pensamento passou em minha mente - desculpe pai mas não vou fazer medicina, mas sei o suficiente e aprendi muito neste último ano enquanto viajava o mundo fugindo, eu prometo a vocês que vou me cuidar e tentar voltar mais vezes, okay ?

Não é como se alguém fosse me responder de volta, eu não podia mais ouvir as vozes doces dos dois, nem mais sentir os abraços calorosos ou as inúmeras horas de conversas e treinamento, tudo tinha passado e não voltará jamais... Só me resta seguir em frente e ter uma vida bem longe dessa bagunça.

- Antes de ir embora, um brinde mãe! - Virei mais um shot, o líquido dessa vez desceu amargo junto com as lembranças de rancor que guardava em minha mente. - Você pode não estar aqui mas está debaixo da terra também, até mais também!

Era o máximo que eu podia fazer por minha família, servir bebida e comida para relembrar suas mortes, para não serem esquecidos ao vento, mesmo que o mundo continuasse girando e cada dia novo surgia, eu ainda estava viva e precisava viver, talvez não estava sendo da melhor forma mas estava melhorando.

Voltei pro quarto de hotel no qual eu estava a quase um mês, meu dinheiro não poderia ser gasto todo ali então precisava urgentemente arrumar um lugar pra ficar, infelizmente a universidade não tinha dormitório e eu estava a um dia de entrar na Universidade de Seul, precisava me organizar logo.

Quando percebi já estava me arrumando para sair de casa, tinha virado quase um hábito ruim, saia todas as noites para algum lugar desconhecido atrás de um pouco de diversão e distração, beber era rotineiro e dançar por aí sem ninguém me conhecer tinha virado meu hobby preferido no último ano.

Passei por tantos países fugindo e com medo, sem lugar fixo, sem alguém pra conversar, sem um plano de vida que as ruas me acolheram calorosamente, me fizeram livre porém aquilo tinha que acabar. - Preciso de tomar um rumo na vida! - Afirmei pra mim mesmo enquanto trancava a porta e saia em direção a capital badalada que a anos eu não via.

Não importava onde eu ia, minha aparência sempre chamava atenção, mestiça da Coréia e Brasil, eu mostrava minha pele mais bronzeada e minhas curvas mais acentuadas do que o povo dali, tinha puxado de Maya Bernardi - minha mãe, brasileira - e meus cabelos pretos e ondulados juntamente com meus olhos mais puxados me assemelhavam a terra onde nasci que tinha herdado de meu pai Han Donghyun, que uma vez fora dono daquelas ruas escuras e tudo que acontecia na capital.

Herdeira PrometidaOnde histórias criam vida. Descubra agora