Parte V - O monstro

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Carolina nos guiou até a porta dos fundos. Roberto ficara para atender o visitante inesperado; ainda era possível ouvir sua voz, mesmo estando já na porta de saída. Lá fora, a lua prateada lançava seu brilho pálido sobre as casas e outras construções da vila. A névoa parecia se estender pelo chão como o bafo de um espectro. Estava frio, muito frio, e ainda assim vozes ecoavam pelas ruas de paralelepípedos. Eram vozes fantasmagóricas e sussurrantes.

— Eles estão nos procurando. Devem ter percebido que saímos da casa — sussurrou Samuel. — Precisamos ir rápido. — Ele tirou a pistola da cintura e seguiu na frente. Apesar de termos chegado de balsa, eu não me lembrava do caminho até o porto. O medo parecia bloquear minhas faculdades, fazendo meu corpo tremer e desregulando as batidas do meu coração. Sentia vontade de correr o mais rápido possível, mesmo sabendo que poderia ser pega.

Avançamos pelas sombras projetadas pelas casas abandonadas, tão silenciosos quanto os pássaros descansando em seus ninhos. Em alguns momentos, vozes pareciam estar muito próximas, passos se aproximando e flashes de lanternas iluminando pontos específicos. A situação estava ficando perigosa; o instinto de sobrevivência parecia se apossar de nós a cada passo, nos fazendo querer correr ou nos esconder em uma das casas.

— Carolina! — uma voz ecoou um pouco mais à frente. Com o susto, corremos para dentro de uma propriedade que tinha um dos muros destruídos, nos escondendo atrás dele. — Carolina, volte! — a voz pareceu se aproximar. A menina ao meu lado tremia como uma folha ao vento, os olhos cheios de lágrimas mal contidas mostravam o quão apavorada ela estava.

— É o meu pai — ela sussurrou. — Ele está me chamando. — De fato, parecia ser a voz de Roberto, mas ao mesmo tempo soava estranha, inumana. — Eu preciso ir até ele. — Segurei Carolina pelo braço antes que ela se movesse, meus olhos arregalados fixos na escuridão da noite.

Não havia ninguém na rua. A neblina começou a subir e se espalhar, dificultando nossa visão. Talvez fosse o medo, o frio e a escuridão, mas juraria que vi uma sombra grande e ondulante correndo pelos telhados das casas velhas. Aquilo não estava certo, e implorei aos dois que me acompanhavam para continuarmos nossa corrida até a balsa. Por algum motivo, eu sabia que nosso tempo estava se esgotando.

Depois de confirmar que não havia ninguém na rua e que a voz havia desaparecido, saímos do nosso esconderijo e continuamos a nos mover nas sombras, agora com passos mais rápidos. A sensação de estarmos sendo seguidos parecia aumentar a cada momento, nos deixando aflitos e ansiosos para chegar logo ao porto.

— Carolina! — a voz ecoou novamente, penetrando a escuridão. Atrás de nós, Roberto estava parado no meio da rua, ereto e quase oculto pela neblina. — Não vá, minha filha. — Sua voz soava estranha, errada. Carolina suspirou de horror, dando alguns passos à frente.

— Não é ele — eu disse a ela, encarando o homem a poucos metros de nós. — Não é seu pai, Carolina. — Algo no telhado da casa à direita se moveu, grande e negro. Samuel também deve ter percebido, pois ergueu a cabeça e procurou algo na escuridão.

— Do que está falando? É ele, é meu pai! — Ela se afastou, caminhando até o homem. A neblina pareceu ficar mais densa e aquele cheiro terrível se intensificou. Tentei parar Carolina, mas ela foi mais rápida e correu até o pai. Assim que se aproximou, a neblina que o ocultava se dissipou e revelou a cena macabra: era o delegado Marcos segurando a cabeça de Roberto na mão direita. Seus olhos estavam arregalados e sua boca aberta. O sangue pingava e manchava o chão, escorrendo entre as rachaduras dos paralelepípedos. — Não! — Carolina ofegou, desviando o olhar.

— Filha, não vá embora — disse o delegado Marcos, sua boca se movendo em sincronia com a de Roberto. Samuel e eu demos alguns passos para trás, completamente apavorados. O detetive chamou a menina, mas algo a alcançou primeiro. Era grande e assustador. Carolina gritou enquanto os dentes afiados do monstro fincavam em seu ombro, seguindo em direção ao pescoço. O sangue encharcou suas roupas e seu cabelo. Seu rosto bonito e delicado empalideceu, e seus olhos se encheram de lágrimas salgadas.

O Monstro sob a CatedralOnde histórias criam vida. Descubra agora