I - Melhorar

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O fogo crepitava ao meu redor, a fumaça me fazia tossir e meus olhos ardiam, na minha cabeça tudo que tinha me levado até ali se repetia uma e outra vez, um redemoinho de arrependimentos que me atormentavam enquanto eu tentava seguir a voz desesperada do meu melhor amigo.

Pensar que aquilo só estava acontecendo pela minha vontade idiota de vencer só fazia com que me sentisse pior. Fui um idiota, confesso. Se tivesse jogado limpo, se não sentisse essa necessidade pouco saudável de vencer, nada daquilo teria acontecido. O pior de tudo era que parte de mim me mandava aproveitar aquilo, aproveitar que Max estava distraído e correr para a linha de chegada, mas que tipo de pessoa eu seria se fizesse isso? Aquele troféu não valia a vida do meu melhor amigo, nem a do calouro e a do pai dele, então afastei esse pensamento egoísta e continuei procurando em meio a fumaça.

Quando o encontrei uma mistura de alívio e desespero se apoderou de mim. Tank estava com metade do corpo enterrado nos escombros, gritando por ajuda. Era uma cena terrível e a culpa me afogou mais uma vez enquanto corria até lá e tentava levantar, sem sucesso, a parte do enorme X que prendia o meu amigo. O fato dele parecer surpreso por me ver ali, tentando ajudar, teria me deixado ofendido se não soubesse que apenas alguns segundos antes tinha pensado em deixá-lo ali e ir embora.

Max apareceu logo depois, o que foi bastante surpreendente para mim, e me ajudou a tirar Tank daquele lugar. Foi naquele momento, observando Max ajudando duas pessoas que não tinham feito nada além de complicar a sua vida no campus, que percebi que havia algo muito errado comigo.

No final, não venci os Jogos Extremos, mas isso já não me pareceu tão importante, nem mesmo quando recebi um sermão do meu pai, que afirmava que os Uppercrust nunca perdem. Nada daquilo parecia mais relevante, não conseguia me lembrar por que vencer aquela corrida era tão necessário para mim, para provar que sou bom? Para ter nem que seja um pouco da atenção do meu pai? Para provar para Max que me rejeitar naquele café tinha sido um erro?

Do que adiantava vencer se aquilo fazia de mim uma pessoa ruim? Quantas pessoas já machuquei tentando manter aquele título idiota? Não queria mais ser aquela pessoa, não queria mais colocar pessoas em risco, muito menos pessoas importantes para mim, sabia que precisava melhorar, entender o que me fazia achar aquelas vitórias tão importantes. Por isso, comecei a fazer terapia.

Meu pai achou a ideia ridícula, mas ele não precisava saber o que eu fazia com o dinheiro que me mandava todo mês, então procurei um psicólogo mesmo assim e, algumas sessões depois, ele me indicou um psiquiatra, que me disse para tomar remédios para a ansiedade. Faz seis meses que frequento esses dois profissionais e venho melhorado bastante, Tank vem me ajudado muito, sempre me apoiando e incentivando a minha melhora. Ele vem se esforçando para mudar também, acho que a experiência de quase morte o fez perceber coisas também.

Há dois meses venho fazendo um exercício que meu psicólogo me pediu. Ele disse que escrever meus pensamentos em um diário me ajudaria a organizar meus sentimentos e faria com que me sentisse melhor sempre que ficasse ansioso ou estressado demais. Inicialmente não foi nada fácil, fazer um diário é bem mais difícil do que parece, mas com o tempo foi de fato me ajudando, já virou rotina tirar um tempo para escrever os acontecimentos do dia, mas tenho que confessar que a maior parte das páginas é preenchida por outra coisa, ou melhor, pessoa.

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