IV - Arrependimento

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Andei pelo campus tenso, como se estivesse cometendo um crime, com o caderno vermelho pesando dentro da minha mochila. Sentia que todos sabiam, mesmo que fosse impossível, o que eu estava prestes a fazer. Invadir a privacidade de alguém não é certo, eu sei, ainda não tinha certeza de que faria mesmo aquilo, mas parecia que a qualquer momento alguém ia me descobrir e denunciar, talvez contar para Bradley que eu planejava ler seus pensamentos. Como ele reagiria? Provavelmente ficaria muito irritado, iria me odiar mais ainda, talvez nunca mais quisesse olhar na minha cara, não que ele olhasse nos últimos tempos, mas ficaria pior. 

Engoli em seco, subindo com cautela até o quarto que divido com Bobby e P.J, tinha que aproveitar enquanto eles ainda estavam fora para poder ler com privacidade. Era engraçado pensar em "privacidade" quando estava prestes a invadir a de outra pessoa. Quando me sentei na cama e peguei o caderno voltei a pensar, aquilo valia mesmo a pena? Invadir os pensamentos de alguém só para saciar uma curiosidade egoísta não me levaria a lugar algum, meus amigos estavam certos, tinha que conversar com Brad, perguntar as coisas diretamente, não ler o seu diário. 

Estava decidido, ia guardar o caderno e ir procurar Bradley para devolver, era o certo a se fazer e eu sempre faço a coisa certa! Mas minha mão já estava abrindo em uma página aleatória e meus olhos teimosos já estavam percorrendo as palavras descontroladamente. 

Acho que estou apaixonado. 

Fechei com força o diário assim que li essa primeira frase, percebendo novamente o quanto aquilo era errado, mas o choque infelizmente não durou tempo suficiente para me fazer desistir. 

É terrível, mas acho que é verdade, não queria aceitar, mas quando o vi hoje na aula ficou impossível continuar negando. 

Por um motivo que não compreendi totalmente senti um aperto no peito lendo aquelas palavras. Era algo além da culpa, quase como se me magoasse o fato de Bradley gostar de alguém, alguém que não fosse eu

Ele senta lá, todo confiante, rodeado de pessoas que o admiram e eu só posso ficar de longe, observando, envergonhado demais pelas coisas que fiz e pelos meus sentimentos para ter coragem de me aproximar. Tenho que sempre me lembrar de que ele me odeia, de que nunca sentiria o mesmo por mim, por que sentiria? Tudo que fiz desde que ele chegou foi ser uma pessoa detestável, acho que nunca vou conseguir nem que seja uma amizade. 

As vezes tento me iludir, pensando que talvez tenha uma chance de ser pelo menos seu amigo, mas me forço a esquecer essa ilusão boba. Que ele tenha me ajudado aquela vez não significa nada, só que ele é uma pessoa muito legal, tão legal que ajuda até os mais babacas como eu. Tank vive me dizendo para conversar com ele, mas o que eu diria? "Ah, oi! Estou apaixonado por você, vamos ser amigos?". 

Já aceitei o meu destino, vou continuar me limitando a ser um mero observador, só espero que ele não perceba. 

Queria parar de ler, parar com aquela loucura e devolver o maldito caderno, já tinha ultrapassado muitos limites ali, mas também queria saber de quem ele estava falando, precisava saber, a cada minuto que passava meu coração se apertava mais, sentimentos que eu nunca percebi que tinha, ou não queria aceitar, vinham à tona e eu simplesmente tinha a necessidade de saber quem era o alvo daquela paixão de Bradley. 

Eu estava com ciúmes, conheço o sentimento e não gosto dele nem do que faz com as pessoas, queria saber o que esse cara misterioso tinha de tão incrível, queria saber por que não podia ser eu. Sentimentos muito mesquinhos me fizeram abrir o caderno de novo, uma mistura de raiva de mim mesmo, vergonha e curiosidade me dominava. Tinha que parar, sabia que tinha, mas não consegui. 

Sentar na parte da frente da sala não me favorece, pensei em mudar de lugar, mas imagino que isso seria estranho, talvez ele percebesse que eu só queria estar ali para conseguir olhar sem que ninguém notasse e isso não seria bom. Por isso, continuo no meu lugar, jogando olhares discretos para trás sempre que acho seguro. 

Acho que ele não presta muita atenção nas aulas, está quase sempre conversando com alguém, sorrindo daquele jeito que faz o meu coração acelerar, deveria ser proibido ter um sorriso tão bonito. Até aquela risada estranha que ele solta de vez em quando me parece encantadora, alguma coisa muito esquisita acontece com a minha mente sempre que se trata dele. 

Eu queria ser uma daquelas pessoas, as que conversam com ele, que tiram sorrisos e risadas, conversas tão descontraídas, nós nunca tivemos uma conversa assim, nunca nos falamos sem trocar farpas. Sinto tanta inveja daquelas pessoas, alguns dias mais do que outros, infelizmente hoje não foi um dos dias fáceis, foi daqueles dolorosos onde ter esses sentimentos guardados é sufocante, odeio esses dias. 

O pior foi que cometi uma gafe, fiquei muito perdido nesses sentimentos e não percebi quando ele me olhou de volta, aqueles olhos escuros pareciam querer me analisar e eu me desesperei. Queria fugir daquela sala naquele instante, mas tive que esperar a aula terminar. Foram os minutos mais excruciantes da minha semana, não vou o olhar mais durante as aulas. 

Fui passando por diversas páginas assim, onde Bradley narrava como sofria com um amor não correspondido de alguém que, pelo visto, o odiava. Sentia os meus próprios sentimentos me esmagando a cada página que passava, tudo se encaixando lentamente, finalmente entendi porque o comportamento de Brad nos últimos meses me intrigava e angustiava tanto, ele não era o único com uma paixão não correspondida, mas eu levei mais tempo para perceber isso. 

Meu peito doía mais e mais a cada página que passava, sem me atentar aos relatos de outras coisas, me concentrando apenas em tudo que tinha a ver com o "Ele" na esperança de descobrir quem era, mas Bradley nunca escreveu o nome, as únicas informações que eu tinha eram que o cara tem olhos escuros, cabelo preto e é muito sociável, essa é uma descrição muito genérica. 

Me arrependi amargamente de ter aberto aquele caderno, se eu tivesse sido uma pessoa descente e o devolvido meu coração não estaria doendo naquele momento, mágoa e culpa se misturando no meu estômago, aquela tinha sido uma péssima ideia, me ajudou a perceber meus sentimentos, mas sinto que teria ficado melhor se continuasse no escuro. 

Tudo que me restava agora era enfrentar Brad e devolver o caderno, não sabia como teria coragem de o olhar depois de tudo que li, depois de toda a intimidade que invadi, mas teria que enfrentar as consequências dos meus atos.

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