XIII - Mal-Entendidos

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Não voltei para casa no feriado de Natal. Na verdade, não voltava desde aquele fatídico dia em que levei um tapa do meu pai. Ele nunca foi um bom pai, daquele tipo carinhoso e preocupado, sempre pareceu completamente indiferente à minha existência, pelo menos enquanto eu fizesse o que ele achava que deveria fazer. Ter boas notas, ser bom nos esportes, vencer em todas as competições, eu fazia isso na esperança de ganhar migalhas de atenção, mas a partir do momento em que perdi os Jogos Extremos comecei a entender que ao longo dos anos eu na verdade barganhava pela minha paz.

Quando "saí da linha", ou seja, perdi os Jogos, aquele pacto silencioso de "você pode fazer tudo o que quiser enquanto continue sendo perfeito" foi quebrado. Desde aquele momento meu pai começou a ser mais atento com a minha vida, mas não de um jeito bom. Comecei a ir em casa regularmente por pedido dele, sempre para ganhar algum tipo de sermão e lembrete de como deveria ser perfeito, de que minhas notas tinham que ser altas e minha reputação impecável.

Eu mantive aquele status bem até o momento em que comecei a me aproximar do Max. O jeito de viver relaxado dele e dos amigos me fazia querer relaxar, passar mais momentos divertidos ao ar livre do que trancado no quarto ou na biblioteca para estudar, sair mais com os meus amigos, parar de ser tão exigente comigo mesmo. Fazer essas coisas, passar tempo com eles, começou a me fazer tão bem. Me sentia mais leve, mais feliz, do que durante toda a minha vida, era perfeito, mas interferiu diretamente no meu desempenho acadêmico e meu pai não gostou nada disso.

Naquele sábado onde tudo ruiu ele ameaçou me trocar de universidade, me distanciar das minhas "más influências" para que eu parasse de envergonhar a nossa família. Nunca tinha enfrenado meu pai, nem sequer na vez em que ele me proibiu de namorar um garoto de quem eu gostava muito por ele "não ser digno da nossa família", mas naquele dia o enfrentei. Não deixaria que ele me afastasse de Max e dos meus novos amigos, não deixaria ele acabar com a felicidade que descobri existir.

Então o enfrentei... e levei um tapa por isso. O golpe foi doloroso, obviamente, mas o que mais doeu foi o meu coração quando finalmente percebi que meu pai nunca me amaria, nunca se importaria com quem sou e com o que me faz bem, ele liga para o nome e o sobrenome que carrego, o nome dele e do pai dele. Para ele eu nunca fui eu, para o meu pai e para os outros que vieram antes eu era mais um Bradley, mais um Uppercrust. Foi um dia terrível, por ter levado um tapa e sido praticamente deserdado, mas principalmente por perceber que não sou nada para ele.

Por isso, não voltei para casa no Natal. Não tinha mais relação nenhuma com aquele homem além do nome que compartilhamos, não queria vê-lo e tenho certeza de que ele também não queria me ver, pelo menos nisso existia reciprocidade. Arranjei um emprego pouco depois do que aconteceu, o que foi bom já que não recebi mais dinheiro do meu progenitor, não devia nada a ele, não tínhamos mais nada em comum e, por mais que minha vida agora tenha menos luxos, não me arrependo de nada.

Max me chamou para passar o Natal com ele e o pai, mas não me senti no direito de invadir aquele evento de família. Estávamos muito próximos e eu pretendia sim reunir coragem para chamá-lo para um encontro, mas sentia que aquilo seria pular etapas demais, ainda não estava pronto para enfrentar o pai dele, por mais que soubesse que o sujeito era mais do que gentil e que provavelmente não guardava rancor de mim.

Acabei ficando no campus, praticamente sozinho na casa Gama. Tank foi passar o feriado com a avó, mas disse que me traria um presente quando voltasse para a festa de ano novo dos Gamas, um evento gigantesco que insistiram em fazer mesmo eu me opondo. No meu humor atual uma grande festa era o que menos queria, mas pelo menos teria alguns dias de descanso até o fatídico dia.

Max me ligou todos os dias durante o feriado, me contando o que estava fazendo e o que planejava para os dias seguinte. Ficamos horas em chamada como um casal de adolescentes apaixonados, só que, apesar de eu estar de fato apaixonada (e começando a suspeitar que talvez fosse recíproco), não éramos um casal.

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