A joia de Mhor

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Cada degrau pisado era um passo em falso, um batida, uma respiração forçada. Finalmente, o momento tão esperado, eu estava pela primeira vez na torre oeste, as portas tinha sido abertas com um ranger. Minhas roupas eram extremamente leves, feitas da mais pura seda, mesmo assim o suor acumulado nas mãos fazia tudo parecer pior. Quatro mulheres estavam bem atrás de mim, todas vestidas com cores diferentes cada uma representando um reino. Azul para o sul; verde para o oeste; roxo para leste e vermelho para o norte. Eu estava com o mais puro branco leite, a torre era mais comum do que se poderia imaginar com a mente mais fértil, pedras simples e cinza compunham basicamente tudo, longas escadas prolongavam-se até o topo.

Os anciões não participariam da cerimonia, aparentemente seria apenas nós cinco, dentre elas conhecia apenas um rosto familiar e fiquei contente ao vê-lo, Melanie estava a poucos centímetros de mim, sua obvia animação se transformará em nervosismo. O vermelho de seu vestido destacava bem seus olhos tom ocre muito semelhante aos meus. As outras três possuíam faces opacas quase sem expressão, nunca tinha visto nenhum desses rostos monótonos antes em todo o castelo.

A escadaria parecia não ter fim, até que vi uma luz dourada saindo pela fechadura da porta, as quatro agora estavam paradas e eu bem de frente a porta sem saber o que fazer. Olhei para trás e vi a passividade em cada rosto exceto em Melanie que encarava a fechadura como se pudesse enxergar toda a sala, a porta era feita de quatro tipos de madeira diferentes sendo bem visível devido a cada trecho possuir uma tonalidade diferente além da madeira ser lisa em algumas partes e áspera em outras. Instintivamente deixei-me levar colocando a mão sobre a maçaneta, meu corpo fervilhava e ao gira-la pude ver que a sala era feita completamente de ouro.

A sala de tamanho considerável tinha formato esférico, com uma decoração de tirar o folego, bem alegórica só que sem muitos exageros, ao centro havia uma banheira que mais se parecia um poço, suas bordas eram feitas de cristais em mosaico, as figuras pareciam se mexer como se o tempo transcorresse contando assim uma historia. O teto era totalmente azul e estrelado, tive a impressão de que ali não existisse teto e sim uma abertura para o céu, porém era apenas uma pintura extremamente realista. As quatro mulheres estavam posicionadas uma em cada lado, elas se moviam silenciosamente.
- Você precisa ser purificada - disse a de roxo apontando para a banheira.
Abri minha boca um pouco para dizer que sim, mas tudo o que fiz foi acenar com a cabeça, nesse mesmo tempo a de azul já abrira as três torneiras da banheira deixando que a inundasse. Fiquei surpresa ao ver que o que saia das torneiras não era agua e sim um liquido dourado que brilhava intensamente. Ouro, a banheira estava sendo cheia com ouro liquido.

A surpresa me mantém distraída, a cerimônia escondia tantos mistérios, agora duvidava até que os anciões soubessem quais fossem. A mão fria de uma das mulheres tocava o meu ombro, sem hesitar deixei que elas me despissem.

O chão estava morno, ou talvez fosse toda a ansiedade, caminhei com longas passadas até a banheira, coloquei uma perna depois a outra e me sentei. O liquido era viscoso e frio do mesmo jeito que a água de um rio é, qual seria o próximo passo para a purificação? Antes mesmo que pudesse descobrir qual, Melanie colocou as duas mãos em minha cabeça e começou a forçar pra baixo, comecei a afundar em uma banheira rasa, fui empurrada para baixo, para o fundo , até que o meu corpo não tocasse nenhuma parte da banheira. Tentei voltar a superfície, mas quanto mais eu me forçava para cima, mais no fundo eu estava, o meu coração batia estrondosamente fazendo a busca por ar aumentar, até que percebi que não precisava. Não precisava respirar, não precisava de nada, parei de lutar para chegar a superfície, entreguei meu corpo ao que fosse aquilo. Com o tempo nada mais importava "poder", "responsabilidade" "dever"...... "Rainha". Todas essas palavras perderam o significado, foram levadas com o ouro. Estava em completa calma, gostaria de ficar ali para sempre, mas o meu corpo não pertencia a esse mundo e foi levado até a superfície, a silhueta de Melanie se formava ainda embaçada e distorcida. Meus dedos tateavam algo pontiagudo, as borda da banheira. Minhas costas estavam apoiadas em algo maciço, levantei-me e estava na sala novamente.

Meu corpo estava coberto de ouro que começara a secar. Olhei para cima, e uma lua cheia estava pintada. Estava na hora "Quando a lua estivesse bem em cima do castelo tudo se concretizaria".

Além da lua que surgira, uma sexta pessoa estava na sala. Um homem esticava um tecido vermelho de veludo, vermelho sangue para ser mais especifica, ele estava fixo em meus olhos sem desviar por um momento se quer para meu corpo despido. Olhos azul tempestuosos, contrastavam com o ouro sendo difícil identificar qual o detentor de maior brilho, saindo da banheira caminhei em sua direção onde fui coberta com o veludo. O tecido era macio, quase puro, o ouro já estava completamente seco e não começava a craquelar , minha pele estava dourada com se já tivesse nascido com o tom.
Um barulho de pedras movendo-se soou sem muito alarme. Logo atrás do rapaz de cabelos cor de trigo, havia um pequeno armário de madeira. Sem me importar muito com a presença desse desconhecido, fui até o armário que até agora era a terceira coisa nova que surgirá nessa saleta, abri as pequenas portinha.

Havia um punhado de folhas secas, e um pouco abaixo delas havia algo vermelho que brilhava intensamente. A joia de Mhor. Senti a mesma leveza de quando estava voltando à superfície. "Nina'' o nome soava como uma brisa. "Nina" mais uma lufada. "Nina". Olhei para os lados, todos estavam no mais profundo silencio, não pude ler o que seus rostos sentiam, contudo encaravam-me com olhos de coruja. "Nina" a voz era encantadora. "Nina". Com movimentos ágeis tirei as folhas de tom vinho de cima da joia, parando meus dedos no ar. "NINA". Agarrei a esfera oca do mesmo jeito que se estivesse em um precipício agarraria uma mão estendida.

Um turbilhão de emoções tomou conta do meu corpo todos os sentidos afloraram , podia escutar ver e sentir como nunca antes pudera. Mhor, em uma visão panorâmica inundava minha mente como a mais forte das tempestades, cada folha que caia eu sentida, cada momento em que o ar batia nas árvores eu sentia, cada animal pisando na terra seca eu sentia. Mhor eu era o reino e o reino era eu.

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