Capítulo 3

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Nunca me esforcei para ser uma boa pessoa.

Aquela vontade de querer ser uma pessoa melhor para que os outros gostem de mim, mudar meus velhos hábitos ou sequer dar importância aos comentários negativos que recebo sobre a minha personalidade quando meu eu verdadeiro vem à superfície.

Acho que é aqui onde se encontra a grande diferença entre o mundo e eu. Entre eu e você. Sempre soube que tinha um coração feio. Que sou uma pessoa difícil de lidar. Conheço meus defeitos bem de perto e convivo com eles sem muita dificuldade. Mas ainda assim, não desejo ser outra pessoa. E o facto de simplesmente estar consciente disso e não me importar, faz-me pensar em como talvez preciso de ajuda, mas me recuso a buscá-la.

Na maioria das vezes finjo ser alguém que eu não sou, porque o mundo não está preparado para lidar com meu verdadeiro eu. Poderia ser facilmente comparada a Charles Manson e outros. Acho que não sou muito diferente dos meus pais. Não se pode fugir da genética, dizia o meu pai. Eu tenho os mesmos traços tóxicos que eles ou talvez eu seja pior, porque quando minha mãe soube que meu pai morrera, a ouvi chorar no telefone.

Minha falta de empatia, meu egocentrismo, minha ausência de bondade e perdão acompanham-me para onde quer que eu vá. Deve ser por isso que não me permito ter um relacionamento profundo com às pessoas, para poupá-las do meu desequilíbrio. Não quero que elas esperem alguma coisa de mim, porque seria uma total perda de tempo.

Penso que Dante fora a única pessoa no universo que eu de certa forma me permiti amar e deixei entrar no meu coração gelado. Talvez seja porque ele tinha os mesmos traços que eu, neste caso não foram os opostos que se atraíram e sim os análogos. Ambos feios por dentro.

A porta do terraço é aberta e há passos que avançam devagar através de mim. Nem sequer me dou ao trabalho de erguer a cabeça. Seja lá quem for, o mais provável é que nem se dê conta da minha presença, espremida na última espreguiçadeira. Suspiro em silêncio e fecho os olhos amaldiçoando o Universo por me negar esse momento de paz e meditação. O mínimo que ele poderia fazer por mim era certificar-se de que ninguém pensasse em vir para o terraço hoje.

Permito por fim que o meu olhar avance até à silhueta que se debruça sobre o parapeito. Mesmo debruçado sobre o anteparo, dá para perceber que é alto. Seus cabelos mesmo no escuro brilham e há alguma coisa branca em seu ombro.

De repente o homem vira-se — apercebendo-se da minha existência. Meus olhos se movem para o que tem em seu ombro.

O homem do rato.

Ótimo.

Ele detém-se no preciso momento em que os nossos olhares se cruzam. Não se demonstra chocado ao ver-me, ao contrário, parece minimamente divertido. Encontra-se a cerca de três metros de distância, mas ainda assim percebo que os seus olhos percorrem o meu corpo, sem no entanto revelarem seja o que for. Estou vestida apenas com um biquíni preto simples porque antes de me esparramar na espreguiçadeira, dei um mergulho na piscina. Meu corpo ainda está pingando, mas eu simplesmente não me importo.

Ele caminha silenciosamente em minha direção.

— Importaste-te que eu me sente ou estou a interromper um encontro interno íntimo?— a voz dele é dessas. Profunda, confiante, e um pouco doce.

Eu o encaro.

Não tinha reparado no quão azuis são os seus olhos. Em como se olharmos directamente para eles por longos minutos, seria um perigo para a nossa mente, porque ela simplesmente pararia de funcionar. Ele tem um sorriso muito bonito, seu rosto parecia agradecê-lo por isso.

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