Uma roupa limpa, não encobre uma alma suja.
É o que está escrito na parte de trás da picape que está à minha frente.
Não sei se a pessoa realmente quis dar uma lição de moral aos condutores que cruzam o seu caminho ou se foi o adesivo mais barato que encontrou na Target, mas essa simples frase traz-me lembranças dolorosas.
Quem visse os meus pais na rua, jamais imaginaria que o mesmo casal bem vestido com perfeitos sorrisos, jogavam facas um no outro dentro de casa. Meu pai sempre fora um juíz respeitado e minha mãe uma médica renomada. Mas ainda assim, tudo o que rodeava aquela casa era sofrimento e dor. Éramos ricos em sentido material, mas completamente pobres por dentro.
Minha vida daria um livro. Um livro bem doentio e obscuro, onde todas as páginas seriam sobre um pai psicopata e uma mãe narcisista. Pensando bem, acho que minha infância fora sombria demais para descrever em palavras.
— Merda, comprou a licença?— esbravejo, quando um carro entra em contramão.
Boas vindas à Seattle, penso.
Abaixo à janela do carro e passo o cartão de acesso ao parque de estacionamento da empresa. Estaciono na primeira vaga que encontro, calço os meus saltos, seguro a bolsa e saio do carro. Caminho em passos firmes em direção ao elevador.
— Bom dia.— abro um pequeno sorriso para o homem, assim que entro no elevador.
— Bom dia.— resmungou seco, sem olhar para mim.
Oh, eu também não quis me levantar esta manhã. Mas ainda assim estou me esforçando, não seja idiota, as pessoas não têm culpa dos teus problemas internos.
Em silêncio, cada um sai no seu destino.
— Olá, eu sou a nova estagiária como Analista. Calliope Schneider.— me dirijo à mulher bem vestida, com seu cabelo loiro perfeitamente preso em um rabo de cavalo.
— Olá, seja bem-vinda a Horizon Air. Meu nome é Alyssa Fisher, uma das quatro recepcionistas da empresa. Vou levá-la até a sua sala e o senhor Campbell vai ter consigo em breve, por favor acompanha-me.
Sorrio docente para a mulher e a sigo.
Logo após Alyssa deixar-me na grande sala, o diretor aparece e dá-me as boas vindas. Sou apresentada a diversas pessoas em uma visita guiada pela empresa. O edifício é ainda mais bonito por dentro. A sala que me foi atribuída é perfeita, com uma vista belíssima para a cidade.
Quando soube que fui aceite como estagiária numa das melhores companhias aéreas de Seattle, eu mal consegui respirar. August foi a única pessoa que pensei em ligar e contar sobre o sucedido. Pensei por breves minutos em ligar para Dante ou para minha mãe, mas rapidamente o pensamento de que eles não mereciam fazer parte da minha alegria venceu.
Não falo com Dante desde a morte de seu pai. Desde a noite em que nossas vidas mudaram para sempre e cada um seguiu para direções opostas. Quando finalmente quebramos o ciclo.
Ainda sinto à sua falta. Algumas noites são mais difíceis que outras, mas ainda assim sigo em frente. Sempre que acho que não vou conseguir sobreviver à uma noite de saudades, olho para a minha barriga, para a cicatriz em forma de uma linha vertical. Ela é a prova de que eu tomei a melhor decisão por mim e por ela.
Minha mãe porém, nunca maltratou-me fisicamente. Mas eu preferia que o fizesse, que ter me submetido à uma vida de merda pela sua tristeza e paranóia. Ela fez mais estrago emocional em mim do que qualquer outra pessoa. Ela não faz ideia de como a sua raiva, sua dependência emocional e sua omissão me transformaram em uma pessoa insegura, incessível e triste.
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As histórias que contamos para sobreviver
RomansaCalliope muda-se de uma cidade pequena na Montana para a grande Seattle com o objectivo de deixar seu passado tumultuoso para trás e começar um novo capítulo. Desesperada para se enturmar na nova empresa e tornar-se efetiva, ela inventa histórias so...