Carta 1| A descoberta
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— Merda, e agora? — encarei Dante, aterrorizada.
Esse com certeza foi o momento mais estranho e confuso de toda a minha existência.
Quando descobri que estava grávida, foi como se todos os meus piores pesadelos se reunissem em um só. Eu estava no auge da minha vida, mal tinha tempo para respirar. Eu tinha vinte e um, estava no último ano da faculdade e mal sabia o que iria fazer depois da licenciatura. Eu não conseguia cuidar de mim mesma, o que dizer de uma criança?
Não era o que estava a espera. Pelo menos não é o que se espera quando você usa diversos métodos contraceptivos, na tentativa de evitar esse acontecimento. Mas eu sabia que nenhum método era cem porcento eficaz, claro. Mas dentre os noventa e nove por certo, descartamos sempre esse um porcento.
Então era isso. Grávida.
Eu estava grávida.
Era uma pequena palavra que tinha um significado grandioso. Era uma viajem sem volta, um mundo totalmente diferente de tudo que havia experienciado até o momento.
Eu estava tão assustada.
Naquela noite, quando Dante e eu descobrimos a gravidez, a reação dele foi mais inesperada ainda. Ele ficou surpreso, claro, mas rapidamente escondeu o seu medo e abraçou-me, prometendo que mudaria e que cuidaria de nós.
Dante era instável e alcoólatra. Eu não conseguia fazê-lo parar, talvez o bebê o fizesse mudar, pensei. Talvez tudo que Dante precisasse era de um filho. Mas o tempo provou-me que nem o ser mais puro deste universo pode ser capaz de mudar alguém que não quer mudar.
Passei por momentos difíceis no inicio da gestação, além dos enjoos, tive sangramentos, precisei ficar de repouso e minha vida ficou cheia de restrições. Os primeiros três meses foram complicados, e enquanto algumas mulheres sucumbiriam ao desespero e medo de perder o seu bebê, eu desejei ter um aborto espontâneo.
Eu pensei que tudo seria mais fácil se eu simplesmente perdesse o bebê. Eu não conseguia imaginar como seria depois que ele viesse ao mundo. A ideia de ser mãe não aflorou e eu não estava ansiosa para saber o sexo do bebê, comprar o enxoval, como seria o parto e outras questões.
Minha mãe disse que quando o bebê começasse a se mexer eu mudaria de ideia, criaríamos um forte vínculo e que o dia em que estivesse quieto eu ficaria preocupada. Prefiro pensar que talvez eu tenha nascido quebrada, porque eu não senti nada disso. Eu ainda queria fugir de tudo aquilo.
A barriga já estava grande e bem definida, o que fazia com que as pessoas notassem que eu já não andava sozinha e me tratassem com mais cuidado e outras com desdém. Eu evitava ao máximo sair de casa, me sentia tão feia e envergonhada.
Sempre que tinha exames de rotina ou ultrassom marcados eram um pesadelo. Toda vez que eu ouvia o coração do bebê eu ficava decepcionada, porque eu queria que ele simplesmente parasse. E quando a noite caía, eu chorava por ser tão egoísta, afinal o bebê não tinha culpa.
Nas consultas era sempre a mesma pergunta: "Tem certeza que não quer saber o sexo do bebê?" Eu me recusava. E então no dia do parto descobri que era uma menina. Ela chegou nesse mundo com cabelos pretos e um belo par de olhos amelados. Era a cara chapada de Dante, não tinha como dizer que ela não era filha dele.
No fundo eu sabia que estava trazendo uma garotinha para o inferno. Uma espécie de punição do universo por eu ter sido rebelde na adolescência e saído de casa.
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As histórias que contamos para sobreviver
RomanceCalliope muda-se de uma cidade pequena na Montana para a grande Seattle com o objectivo de deixar seu passado tumultuoso para trás e começar um novo capítulo. Desesperada para se enturmar na nova empresa e tornar-se efetiva, ela inventa histórias so...