Agora são 20:20 da noite. Já são 7 horas sem você e já percebo a grande mudança em tudo e todos ao meu redor. Os dias antes de sua partida eram tão comuns, que a dor não parecia ser um problema, mas agora, ouvindo os gritos de quem lutou por você, percebi que não passava de uma ilusão.
Agora eu vejo e sinto, o penhasco e o vazio, que costumava ver e medir a proporção nas outras pessoas. Me incomodava pensar que um dia teria que me despedir daqueles que me criaram com tanta vontade e garantiram lindas lembranças, mal sabia e até imaginava como agir na primeira perda. Acho que fui fria o suficiente para não ser o apoio de quem realmente precisava.
Acabei aceitando que essa era a nova realidade. Acabei por aceitar que no dia das mães nossa família teria uma mãe a menos, que nas festas juninas você não estaria mais sentada debaixo do alpendre, olhando os mais pequenos correrem e soltarem seus estalinhos e não levantaria para ver os foguinhos do vulcão no terreiro; aceitei que não faríamos bolo no dia do seu aniversário, que não iríamos limpar sua casa para realizar sua renovação, que não iríamos para sua casa fazer o almoço de natal e que não iríamos pedir pizza e refrigerante para comemorar o ano novo.
Apesar de não ser esse tipo de aceitação que você queria, foi a única que consegui aceitar. A verdade é que decidi me afastar para não ver a mudança cruel de seu corpo e de sua mente, dos seus olhos antes cheios de brilho, dos seus cabelos sempre presos em um rabo de cavalo baixo. Não quis acreditar que você começava a viver a pior fase da sua vida, não queria acreditar que restava apenas 3 meses.
Você sempre foi tão forte, que em cada bairro da minha cidade alguém já tinha ouvido falar em seu nome e nas belíssimas coisas que já tinha feito. Você cuidou tão bem dos seus filhos, que eles estiveram com você até no seu último suspiro, honraram a educação que receberam e se despediram de todas as formas que conseguiram.
Sua estadia na terra não foi insignificante e sua partida deixou um caminho de espinhos quase impossível de atravessar. Não sei onde dar o primeiro passo e não sei se outros o farão, pois cada pequeno detalhe é motivo para um choro cortante, que rompe até as veias do coração. Os soluços se dissiparam no caminho de volta do cemitério, no dia seguinte entramos na cidade onde já foram enterrados alguns familiares, com a mesma sensação de um dia comum, mas dessa vez voltamos como se houvesse um lugar sobrando, apesar de nunca ter sido ocupado.
Foi triste e agora, desconfortável, pois chego na casa em que você ficava e não preciso mais lhe pedir a benção. Me permite sentir um vazio, no qual preciso me agarrar para não me desprender da realidade. O que nos resta é esperar as noites para que possamos observar o brilho da sua estrelinha.
Obrigada, vovó, pelos 17 anos que você esteve ao meu lado. E por muitos outros que você viveu alegremente.
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Mais Uma Vez: eu e meus textos
SonstigesEsses são os pensamentos que rondam a minha cabeça em qualquer hora do dia. Talvez sejam românticos demais, melancólicos demais, dramáticos demais, porém, são verdadeiros.