Sobre dor e dor.

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Ele não ficou surpreso quando sentiu uma picada no pescoço ou quando acordou em um quarto sujo, que continha apenas um colchão da largura de um dedo e um penico no canto.

Não foi surpresa a falta de comida por dois dias, a única coisa sendo empurrada pela escotilha na porta era um copo de água suja. Era como beber cinzas.

Não, nenhuma dessas coisas foi surpresa, todo o mundo sabia quem era Tyler Galpin e o que ele tinha feito, irritando não apenas a comunidade humana mas também a sobrenatural, acho que matar humanos e atacar a escola para Párias não atraía simpatizantes em nenhum lado.

Não importa se ele não tinha escolha, não importa se ele não lembrava da maior parte ou que quando acordava sujo de sangue, vomitava pelo chão todo, se enrolando no carpete e chorando até a cabeça doer.

O sangue estava nas mãos deles e nada, nem mesmo o tempo que ele passou em uma clínica "especial" que foi submetido durante durante 2 anos ou até mesmo que o júri o considerou participante involuntário e assim, evitando a cadeia ou coisa pior, não, nada disso importava quando ele ainda sonhava com os gritos deles, o sangue doce e enjoativo na sua língua, a sensação de pele e ossos sobre seus dedos, como o som era nauseante e ao mesmo tempo, excitante em sua cadência.

Talvez seja por isso que ele não resistiu quando a fumaça passou pelos tubos de ar na parede, fazendo seu corpo arder e logo depois perder a coincidência, o último pensamento sendo.

Finalmente.

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Quando ele acordou pela segunda vez e sentiu um puxão firme nos pulsos, o corpo esticado em um ângulo não natural e a câimbra nos braços, ele surtou.

Não tinha outra palavra para definir. Ele gritou e se debateu, puxando os braços com tanta força que rasgou a pele sob o metal frio.

— Hum, finalmente uma reação interessante, já estava ficando entediada. — uma voz claramente feminina falou e Tyler notou que não estava sozinho naquele quarto. Uma mulher de mais ou menos 40 anos estava encostada na parede, os cabelos puxados com tanta força no couro cabeludo que a pele ao redor do rosto estava repuxada. Ela estava vestida de forma casual com calças e blusa e tinha grandes olhos azuis que estavam vazios.

Nenhuma emoção, nenhuma reação, nada, tudo nela parecia congelado, e Tyler lembrou de algo que seu pai tinha dito quando levou ele pra caçar pela primeira vez.

"Ele não está apenas observando a presa, Ty, o predador estuda, avalia, cada rota, cada ponto fraco, ele está calculando em sua mente e pensando no melhor curso a seguir. Por isso ele quase sempre tem sucesso"

"E o que devo fazer se ver um predador, papai?"

"Melhor que nunca encontrei, eles não são chamados assim por nada, mas se por uma infeliz reviravolta do destino isso acontecer e eu não estiver lá para protegê-lo, bem, saiba que eu te amo."

Ele sabia que o pai estava brincando na época, porque ele bagunçou seu cabelo logo depois e riu com vontade do seu olhar assustado. Foi a última vez que ele fez isso.

Aquela mulher, seja ela quem fosse, era uma predadora e Tyler, sua presa indefesa. Bem...

— E não adianta tentar se transformar. — Ela disse como se lesse seus pensamentos. — eu trabalho a muito tempo com...espécies raras e sei o suficiente para impedir qualquer acidente infeliz.

Ela caminhou até ele, parando bem na sua frente, perto o suficiente para Tyler conseguir escutar o sangue correndo pelas suas veias. Ele se encolheu.

Muito perto, muito parecido, muito... ele vomitou, sujando um pouco a camisa e calça, o odor pungente agredindo seu nariz, com sorte, seria o suficiente para desencorajar outro avanço em sua direção.

— Quem é você? — ele falou pela primeira vez em...? Ele não consegue se lembrar e sua voz saiu rouca e estranha, como se suas cordas vocais tivessem esquecido como trabalhar.

Ela não disse nada a princípio, apenas o encarando fixamente, como se estivesse ponderando se deveria responder ou não.

Por fim, ela pisou em cima da sujeira que ele fez, segurou seu queixo com força e ignorando a forma como Tyler tremeu violentamente com o toque indesejado, sorriu para ele, os olhos finalmente revelando uma emoção.

Ganância.

— Sou a Dra. Louisa Darmer e você será o meu novo bichinho.

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Wednesdey não era estranha a dor ou a doença, ela era, afinal, um Addams e sempre acolheu a dor como uma velha amiga. Torturar o próprio corpo, testar todos os limites da carne mortal era seu passatempo favorito.

Claro, ela sabia que dor física e dor emocional eram coisas completamente diferentes, ela podia ser ignorante quando se tratava dos sentimentos humanos e toda sua complexidade, mas estudou o suficiente para ter uma margem, ela odiava ficar no escuro sobre qualquer coisa.

E quando mataram seu escorpião bem na sua frente, ela conseguiu entender como aquilo doía mais que uma descarga elétrica e apesar de gostar da dor, nunca queria se sentir assim novamente, tão impotente e frágil, como se não enxergasse nada além daquele enorme vazio no peito, que crescia e crescia, apertando sua garganta tão forte que foi impossível segurar as lágrimas.

E pelos gritos das almas condenadas, Wednesdey não conseguia respirar.

Começou com aquele aperto familiar e ao mesmo tempo, novo, na garganta, que subia e subia, como se aquele vazio visceral fosse grande demais para seu corpo e precisasse sair, explodir para fora dela, rasgando seu corpo de dentro pra fora em lágrimas gordas e feias.

Mas ela segurou, se recusou, ele ficaria bem, ele estava bem e quando ele estivesse de pé novamente, aqueles enormes olhos arregalados em alegria que muitas vezes a cansava, ela diria sim para aquela fantasia de um tal de Superman, poderia até mesmo ler aquela história 2 vezes mesmo sabendo que 1 vez era perfeitamente razoável para uma criança dormir.

Ela não poderia duvidar nem mesmo por um segundo, eles eram Addams e Addams jamais desistiam.

E mesmo assim...mesmo assim...eles continuavam surgindo, explodindo atrás de seus olhos, pensamentos intrusivos, dizendo que ela nunca o veria perder todos os dentes, nem armar a primeira pegadinha em seu tio patético, nem como ele destruiria qualquer criança da sua idade em inteligência, e nem como ela nunca precisaria em se preocupar-

Ela não conseguia respirar. Quanto mais tentava puxar o ar para dentro dos pulmões, mais ele se recusava a entrar para aliviar aquele ardor no peito, aquela coisa feia que se instalou ali desde o momento que viu seu filho desmaiar e não parava de crescer até então.

Wednesdey não reconheceu a mão que apertava a dela ou o fato de alguém a empurrar até o sofá, tudo que ela conseguia ver era os olhos do Edgar permaneciam fechados e ela não tinha ar dentro do corpo, a massa negra e retorcida ocupou todo o espaço.

— Você precisa respirar, querida. — a voz da sua mãe parecia distante, como se estivesse falando através de um túnel, até mesmo ela passando a mão em seus cabelos, parecia entorpecido, como se estivesse acontecendo com outra pessoa.

Como?

Ela queria perguntar.

Não consigo.

Ela queria dizer.

Não quero.

Seu subconsciente sussurrou.

— Você pensa que não consegue, mas consegue sim, seus pulmões estão funcionando, aqui tem uma oxigênio mais que o suficiente e mais importante, não tem nada na sua garganta. Você. Consegue. — sua mãe disse com mais firmeza, uma mão apertando a sua e a outra ainda fazendo carinho em seus cabelos. — eu entendo que está com medo, querida, entendo como se sente inútil, mas você é a única que pode ajudá-lo, a única que ele vai querer ver quando abri os olhos.

Não sei se consigo. — ela conseguiu dizer entrecortada, ofegante enquanto forçava o ar para dentro e para fora, de alguma forma, copiando os gestos da mãe, que só agora ela notou que estava ajoelhada na sua frente.

— Consegue. — Morticia repetiu, o rosto manchado de lágrimas. — Porque você é mãe, e podemos tudo pelas nossas crias. 


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⏰ Última atualização: Jun 29 ⏰

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