Capítulo 4 - No silêncio da noite

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A conversa monótona das damas já me tinha entediado há muito tempo, e eu estava imersa em meus pensamentos, fingindo ouvir o que elas diziam.

Já havia conversado com meu pai sobre o ocorrido da noite anterior. Ele disse que mandaria guardas procurarem por todo o bosque. Suspeitava-se que Ross tivesse sido roubado. Ele era um cavalo majestoso, negro como a noite, forte e veloz. Se essa fosse a situação, os guardas também vasculhariam cada canto da aldeia até encontrarem o ladrão.

— Vossa Alteza? — Dama Elson me chamou, tirando-me de meus devaneios.

— Perdão? — perguntei, arqueando as sobrancelhas.

— A senhorita irá comparecer ao baile que darei em minha casa na próxima semana? Será esplêndido, e espero ter a honra de contar com sua presença.

— Eu não perderia por nada. — comentei com um sorriso simpático no rosto.

Eu de fato adorava festas e bailes, mas naquele momento não estava com disposição para isso. No entanto, optei por dar uma resposta afirmativa a ela; mais tarde inventaria alguma desculpa. Elas não repararam em minha indisposição, e se o fizeram não comentaram a respeito.

A conversa perdurou por mais alguns minutos antes de eu me sentir completamente exausta daquilo e me despedir das damas.

Segui pelo corredor até entrar por uma das portas que levava à biblioteca, que continha mais de cinco mil exemplares. A biblioteca estava repleta de livros em todos os lados. Havia uma escada em espiral que levava a um mezanino; os móveis eram de uma madeira escura, proporcionando uma sensação de profundidade e dimensão.

Retirei da prateleira um dos meus livros favoritos: "A História de uma Grande Rainha", que reinou há um século em nosso reino. O livro narrava minuciosamente toda a sua trajetória, destacando sua força, destemor e coragem.

Li por horas a fio, ainda era dia e o sol brilhava alto quando entrei na biblioteca; no entanto, agora era a escuridão que dominava lá fora.

O silêncio da biblioteca era reconfortante. No entanto, ele não durou muito, pois a porta foi aberta abruptamente, e reconheci a figura masculina que adentrou o recinto.

Philip vestia uma jaqueta azul escura adornada com detalhes dourados, calças brancas imaculadamente alinhadas, fazendo um belo contraste com a jaqueta escura. Suas botas pretas completavam o conjunto.

Assim que fechou a porta, ele me viu e eu preferi ignorar sua presença.

— Boa noite, Alteza - ele me cumprimentou ao se aproximar.

— Boa noite. - respondi. Philip não havia feito nada de errado, no entanto, eu me senti profundamente chateada pela forma insensível como agiu comigo enquanto eu estava em um momento tão triste.

— Já faz um tempo que não nos vemos. Como tem passado? - ele perguntou, sentando-se ao meu lado no sofá sem pedir permissão.

— Perfeitamente, obrigada. - respondi, sem desviar os olhos do livro. Eu não estava lendo, mas ele não precisava saber disso.

— Você está mentindo. - ele afirmou. Isso foi o bastante para me fazer encará-lo.

— Eu não estou mentindo.

— Você não apareceu para o jantar na noite anterior e desconsiderou todas as suas obrigações para passar o dia lendo. Você não parece ser esse tipo de princesa. — argumentou.

— E como você tem conhecimento dessas informações? Você não parece ser o tipo de príncipe que bisbilhota a vida alheia.

— De fato. Mas eu não bisbilhotei, apenas ouvi dizer que a senhorita sumiu durante o dia todo.

— Isso não significa necessariamente que não esteja bem, apenas preferi a companhia dos livros do que a de outras pessoas. — respondi, arqueando as sobrancelhas — E você está me atrapalhando. — ignorei o desconforto que me afligiu ao terminar a frase.

Ele ergueu o queixo e suspirou, parecendo brevemente irritado. Fingi não me importar e voltei meus olhos de volta para o livro. Eu já estava sem nenhuma concentração, mas mesmo assim continuei a olhar para as palavras perfeitamente alinhadas no papel.

— O jardim é realmente bonito à noite. Que outros lugares são bonitos à noite? — indagou. E me vi em uma grande indecisão: continuar a ignorá-lo ou tratá-lo normalmente, como se o sentimento que me dominou na noite anterior não tivesse acontecido.

Por fim, escolhi a segunda opção.

— Ah, há diversos lugares bonitos à noite em Eldoria. — disse, fechando o livro e levantando-me. — Que tal começarmos pelo meu favorito?

~

Saímos rapidamente do Castelo, tomando cuidado para não sermos vistos. Caminhamos em direção à aldeia, mas alguns metros antes da metade do caminho viramos à direita, seguindo em direção às montanhas.

— Para onde estamos indo? — Philip perguntou.

— Você verá. — respondi.

Continuamos a caminhar até chegarmos às montanhas, que não ficavam a mais do que uma hora de caminhada. A subida era íngreme, mas não havia problemas para escalá-la. A luz da lua iluminava nossos passos.

Quando chegamos a uma certa altitude plana, havia um banco de mármore colocado à beira do morro.

— Chegamos.

Caminhei em direção ao banco e me sentei, convidando Philip, que estava em pé, a se juntar a mim.

Sentamos e contemplamos a vista; lá de cima, podíamos ver a cidade, a floresta e o castelo. As luzes da cidade pareciam se mesclar com as estrelas brilhantes no céu, como numa pintura cuidadosamente elaborada e delicadamente sensível.

— Gosto de como tudo parece pequeno aqui de cima, e ao mesmo tempo tão grande. — comentei, percebendo que ele me observava.

— Eu tenho uma nova vista favorita. – ele disse, e eu me animei com a ideia de ele ter gostado daquele lugar tanto quanto eu.

— É mesmo?

— Sim. – ele assentiu.

Eu sorri, aquele lugar agora podia ser o nosso lugar. A vista era de tirar o fôlego e posso dizer que tinha até um ar... romântico.

— Você. – ele disse, interrompendo meus pensamentos.

— O que? – questionei, confusa. Teria perdido alguma parte da conversa? Que constrangimento.

— Você é a minha paisagem preferida.

Fiquei sem reação, meu coração acelerou de tal forma que meu corpo tremia, como se fosse sair pela boca. Senti um frio na barriga.

— O... o quê...? – tentei em vão perguntar.

Seus olhos azuis pareciam ainda mais profundos na escuridão da noite.

— Você é minha vista favorita, Ella. – ele repetiu.

Sem muita reflexão, me aproximei e uni meus lábios aos seus. Nunca havia feito isso antes, mas a emoção agiu antes mesmo da razão. O beijo mal durou dois segundos antes que ele se afastasse.

Engoli em seco, refletindo sobre o erro que havia cometido, enquanto ele me encarava por alguns segundos antes de surpreender-me com um novo beijo. No entanto, desta vez foi diferente; suas mãos foram gentilmente para o meu rosto, e sua boca começou a mover-se com suavidade na minha. Aquela experiência parecia uma poesia romântica com um sabor doce. Aproximei-me ainda mais dele, desejando nunca me separar daquele homem que fazia minha alma se encher de uma alegria indescritível.

Permanecemos ali por mais algum tempo, abraçados, contemplando a vista e trocando carinhos, até decidirmos que era hora de descer.

Retornamos de mãos dadas e, ao longo do caminho, paramos algumas vezes para nos beijar. Um sorriso não abandonava meu rosto. Não queria de forma alguma sair daquela bolha. Contudo, ao chegarmos ao castelo, nos separamos. Philip julgou melhor que eu entrasse primeiro e ele depois. Trocamos despedidas e segui para dentro.




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