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- Então essa é Anfitrite?

- Sim. - Eu balbuciei, com entusiasmo contido em um pequeno sorriso e minha mãos para trás das costas para me impedir de gesticular freneticamente. - Esse é meu melhor trabalho.

Após uma longa conversa sobre o por quê de 'Vermelho' ser o meu pior trabalho, o militar, que me revelou seu nome ser Simon Riley, pediu para que eu o mostrasse um trabalho que eu considerava o meu melhor.

E aqui estávamos nós, em frente à um dos quadros que mais havia demorado para ser finalizado, em torno de quase um mês, pintando incansavelmente todos os dias para por em evidência a imagem da ninfa grega submergindo dos mares, como quem pede socorro sem esperança de ser salva.

A expressão desesperançosa e profundamente deprimida em seu rosto era um contraste para o tom de azul do oceano pintado em uma coloração vibrante de azul ciano. Na pintura, ela era arrastada de volta para o mar, onde seria forçada a manter uma vida conjugal com o deus dos mares, Poseidon, mesmo contra sua vontade. O oceano vibrante representava o prazer dele em ter a jovem náiade como esposa.

Aquele era um dos meus melhores trabalhos, se não, o melhor.

Por baixo das inúmeras camadas de tinta, havia sangue suor e lágrimas que derramei por essa tela, haviam sentimentos reais depositados e meticulosamente colocados sobre ela. A desesperança de saber que vai afundar em um buraco sem fundo, mesmo sabendo que não há salvação, e mesmo assim pedir socorro de forma desesperada só denunciavam mais ainda a carga emocional que estava carregando de forma fatigante até ali.

- Não me surpreende que esse seja seu quadro favorito. É realmente impactante. - Simon comentou, numa pose similar a minha, a diferença é que com a postura mais reta impossível.

Pude sentir uma fagulha de orgulho acariciando meu ego e aquilo quase me deu vontade de sorrir.

- Agradeço a apreciação, sr. Riley, mas se me permite perguntar, o que achou de tão interessante no outro quadro? - Eu perguntei ao me virar ligeiramente em direção à ele, trocando o peso de uma perna para a outra, fazendo as palmilhas fofas do coturno preto cederem um pouco.

Ele suspirou e olhou mais alguns segundos para Anfitrite antes de olhar para mim com a mesma feição inexpressiva em seus olhos fundos e escurecidos.

- É algo que não conseguiria responder-lhe de imediato, srta. Harrison, - Simon respondeu em um tom friamente cortês. - precisaria de um tempo para formular minha resposta.

Aquilo atiçou minha curiosidade, muito mais do que antes com relação a ele.

[...]

A galeria havia fechado e finalmente estava liberada para retornar à minha casa, precisava comer alguma coisa de forma urgente, minha barriga roncava como se nunca tivesse sido alimentada. Peguei o trem na linha oposta ao que havia pego de manhã, e assim que entrei, percebi que não teria onde eu me sentar.

Xinguei o universo mentalmente, aceitando o fato de que ficaria mais alguns bons minutos em pé, fazendo com que meus pés latejassem e doessem mais ainda, mesmo que as palmilhas da bota fossem confortáveis.

Eu segurava firmemente minha bolsa, enquanto tinha um braço enroscado na barra de apoio de um dos bancos, dando uma olhada nas notificações do meu celular enquanto não chegava.

Mensagens do meu pai, a agenda da próxima exposição, o Pinterest me avisando que alguém havia salvado os mesmos Pins que eu.

Loneliness. ' Simon Riley 'Onde histórias criam vida. Descubra agora