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Ilhandius era dividido em duas grandes potências territoriais e comercias: o Reino Maior, rico em ouro, e o Reino Menor, rico em toda espécie de plantas medicinais. Anualmente, o país recebia milhares de estrangeiros, interessados no ouro, que era o mais maciço e reluzente de toda a região, e na botânica, capaz de curar as mais variadas enfermidades. Ambos os Reinos, viviam em harmonia e dependiam, um do outro, para manter sua subsistência.
Ilhandius estava em festa e não se falava em outro assunto, a não ser a festa de aniversário da princesa Ezli, filha do Rei Álvaro e da Rainha Petra, os governantes do Reino Maior.

*****

- Não acha que está exagerando, Alteza? Não pega bem para uma jovem princesa usar um batom tão...
- Tão...? Repetiu Zoe, encarando o rosto, arredondado, da criada pelo espelho
- Tão fora de moda. Acrescentou Ezli, invadindo o quarto da irmã. Você acha mesmo que vai impressionar algum príncipe usando esse batom horrível? Eles, certamente, fugirão de você.
Liliana, a criada, põe a mão na boca, na intenção de abafar uma risada.
- Veio aqui apenas para caçoar de mim? Acredito que, a "estrela da festa", tem coisas mais importantes para se preocupar. Disse Zoe, virando-se de costas para o espelho e encarando a irmã mais velha.
- Que mal humor é esse, irmãzinha? Eu estava, apenas, brincando.
- Guarde suas brincadeiras para outra ocasião. Me diga, como você consegue fazer piadas nessa situação? Não está nervosa? Ansiosa? Quando você vai levar as coisas à sério?
- Quando você parar de fazer tempestade em copo d'água. Retrucou.
- Ezli, você não deveria está arrumando-se para a sua festa? Olhe seu cabelo, está todo desgrenhado. Deixe-me arrumá-lo. Disse a criada, com as mãos ágeis em direção aos longos cabelos da princesa.
- Não toque no meu cabelo, Lili. Está ótimo assim.
- E ainda ousa falar do meu batom. Resmungou Zoe.
- Alteza, daqui algumas horas acontecerá a sua festa de aniversário, a festa mais esperada do reino. Toda a nobreza virá para prestigiar a princesa Ezli. Hoje será anunciado, publicamente, o seu noivado. Não está feliz?
- Estou, só não me sinto à vontade diante de tantos olhares curiosos.
- Eu pensei que você já estivesse acostumada com isso. Convivemos com esses olhares desde o dia que nascemos. Zoe falou, ao levantar-se da poltrona cor de carmim (não ironicamente, a mesma cor do batom) e agasalhar o roupão de seda, em volta do corpo magro.
- Agora é diferente, eles me olham esperando o momento em que irei tropeçar. Ouso dizer que, alguns deles, torcem para que isso aconteça.
- Não seja pessimista, Ezli, isso atrairá coisas ruins. Disse Liliana.
- Então, não vai arrumar essa juba, futura Rainha? Zoe fala ao puxar uma mecha branca do coque, bagunçado, da irmã
- Só se você remover esse batom, de prostituta, da boca.
Liliana, com os olhos arregalados, olhava de uma princesa para outra, esperando uma briga, como as inúmeras que elas tinham, diariamente. Mas, ao invés de uma guerra de travesseiro, caretas ou apelidos ofensivos, as duas irmãs começam gargalhar.
- Ok, você venceu, não usarei esse batom.
- Ilhandius agradece, vossa Alteza! Diz Ezli com uma piscadela, acompanhada de uma reverência desengonçada.

*****

Era costume do Reino Maior, celebrar o vigésimo aniversário de toda primogênita. Cuja festa, tinha o objetivo de anunciar o noivado da princesa, com um bom partido, oriundo do Reino Menor.
Três meses atrás, em um jantar só para os familiares dos noivos,
Ezli conheceu Kalil, o príncipe que seu pai escolhera para ser seu esposo.
Um homem alto, forte, olhos cor de âmbar, cabelos escuros e ondulados. Ele, extremamente sério, com as mãos atrás das costas, caminhava em direção a família real. Quando aproximou-se, fez uma reverência e, sem olhar para a sua noiva, acompanhou o Rei, rumo aos corredores do Palácio. Eles iriam conversar a sós, antes do jantar em família.
- Oh, que orgulho do nosso filho, Germano. Será um rei, um excelente rei. Dizia a Rainha Núbia, com os olhos cheios de lágrimas.
- Sem choro, querida, você prometeu. Interveio o Rei Germano, líder do Reino Menor.
- Minha filha, oh, minha amada filha! Gritava a Rainha ao perceber que Ezli dividia o mesmo ambiente. Estou tão feliz em saber que o seu pai fez a melhor escolha de sua vida. Meu menino é o sonho de toda mulher. Você é uma sortuda. Disse ao cutucar a princesa, que apenas se encolheu e esforçou-se para sorrir.
Quando os dois voltaram da conversa em particular, os olhos de Ezli acompanhavam o movimento das mãos do príncipe Kalil que, ora as colocava atrás das costas, ora nos bolsos da calça. As mãos grandes, agora, pareciam trêmulas. Os olhos curiosos da princesa insistiam em desvendar aquele mistério. O que havia deixado o príncipe tão nervoso? Só agora caiu a ficha da grande responsabilidade que ele iria assumir? Ou seu pai o havia ameaçado? Não, claro que não, não haveria motivos para isso, e seu pai jamais faria algo assim.
Ainda intrigada com as mãos descontroladas, ela percebeu algo no pulso do príncipe. Não no pulso em si, mas, na pulseira que ele carregava. Uma pulseira simples, de couro, não muito diferente de todas as outras, exceto pelo pingente de ouro que nela havia: uma caliandra vermelha. Ezli estava perdida em seus pensamentos, quando a voz grave de seu pai, interrompe suas teorias. Rei Álvaro convida todos para sentar-se à mesa, pois o jantar já seria servido.
A jovem noiva continuava a olhar para o príncipe, na tentativa de saber o que havia acontecido. Mas, se as mãos estavam descontroladas, o mesmo não acontecia com o semblante dele. Ele estava com a feição serena, relaxada. Uma mecha grossa, dos fios, insistia em descansar sobre sua sobrancelha esquerda, apesar das inúmeras e falhas tentativas de retirá-la do rosto. Ele era, realmente, lindo, em todos os aspectos. Tão lindo, que não parecia real.
- Querida Alteza, como está a expectativa para o seu aniversário?
Em três meses, sua vida mudará por completo, não é mesmo? Perguntou o Rei Germano.
Ezli não havia, sequer, falado uma só palavra, desde que atravessou a porta da Sala de Jantar. Ainda criança, ela havia sido orientada a não intrometer-se nas conversas dos adultos. Agora, apesar de adulta, a princesa sentia-se confortável em não falar nada nessas ocasiões. Enquanto Ezli pensava no que responder, Zoe comentou.
- Minha irmã é muito tímida. Não gosta de conversar.
- Uma futura Rainha não deve ser tímida. Ou, pelo menos, não deveria.
Ezlin sentiu seu rosto arder, o Rei não parecia ter falado aquilo no tom amigável e sim, provocador.
- Fui orientada, desde criança, a ouvir mais e falar menos. Pondero o que devo falar, para não soar, inútil, a quem ouvir. O Rei, com seu olhar de águia, apenas a encara por alguns segundos e em seguida muda de assunto. Nesse momento, Kalil sorrir para Ezli. Um brilho cintila em seu olhar, deixando a princesa sem graça.
- Minha Ezli é assim desde pequena. Faz parte de sua personalidade. O Rei assente, orgulhoso, para a filha.
Alguns minutos se passam, e todos estão desgustando os pratos mais saborosos de todo o Reino Maior, o famoso Faisão ao molho de berinjela. Para acompanhar o prato, foi servido pães, lentilhas e legumes.
- Os cozinheiros do reino estão de parabéns. Falou Rainha Núbia, entre uma garfada e outra.
- Minha mãe tem toda razão. Esse prato está saboroso. Concordou o príncipe.
Ezli, observava seu futuro marido saborear a comida. Suas mãos não estavam mais trêmulas, pelo contrário, elas seguravam os talheres com muita destreza.
- Não vai comer, Ezli? Pergunta Zoe, disfarçadamente, enquanto as duas famílias conversam, empolgadas.
- Estou sem fome. Diz a princesa, sem desviar o olhar do prato à sua frente.
Ao ser retirado o jantar, a família, aguarda a sobremesa: sorvete de baunilha com calda de hortelã.
Após saborear o sorvete, o príncipe ergue-se da cadeira e, contornando a mesa, para ao lado de Ezli, pondo a mão, pesada, em seu ombro.
- Me acompanhe, minha noiva.
Ezli sente o coração bater, desesperadamente, acelerado. Ela não consegue falar nada, apenas permanece imóvel.
- Filha, seu futuro esposo está esperando. Disse a Rainha Petra com um olhar carinhoso para a filha.
- Claro, mamãe. Ezli levanta-se da cadeira e, de braço dados com seu noivo, segue para o jardim do Palácio.
Quando já estavam longe o bastante e
ninguém mais da Sala de Jantar poderia ouví-los, o príncipe, em um sussurro, pergunta para a princesa:
- Você poderia, ao menos, fingir que está feliz com esse casamento?
Ezli o encara, confusa com a pergunta.
- Perdoe-me se, em algum momento, deixei transparecer que estava triste. Só estou nervosa.
Sem olhar para a princesa, ele continua.
- Em breve, desempenharemos um papel muito importante no Reino, é necessário que você saiba controlar suas emoções. Uma Rainha, demasiadamente, emotiva, não transmite a imagem que o povo espera. O povo espera...
- Você me trouxe aqui para me ensinar como ser uma Rainha?
- Desculpe-me se deixei transparecer tal disparate. Eu só quis dizer que...
- Que eu não estou preparada para ser uma Rainha. Completou a princesa.
- Querida, não ponha palavras em minha boca. Acrescenta com deboche. Acredito que, seu pai, já repassou-lhe todas as orientações necessárias, não tocarei mais nesse assunto. Perdoe-me.
Passam-se três minutos de silêncio entre os dois. Até que Ezli decide falar algo.
- Porquê uma caliandra vermelha? pergunta, ao desvencilhar-se do braço do príncipe e caminhar em direção ao banco, inteiramente de ouro, que ficava no centro do jardim.
- Como? Perguntou o príncipe curioso.
- Porquê você usa esse pingente? Algum motivo especial?
Imediatamente, os olhos do príncipe encontram a pulseira de couro, e passando os dedos sobre o pingente frio, ele sorrir.
- Bem, a minha família é, um tanto quanto supersticiosa. Eles têm muito apego às tradições dos antepassados. Para eles, a caliandra vermelha significa recomeço e trás boa sorte. Todos da família usam pingentes, adereços, presilhas ou broches com a flor.
- Quando me tornar integrante da família, também usarei algo assim?
Pergunta Ezli.
- A menos que você não queira.

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