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- Esses fios brancos não param mesmo de crescer. Afirma a criada, ao pentear as madeixas longas, cor de mel da princesa.
- Eles são bem insistentes. Falou Ezli, ao brincar com os botões do vestido verde água que usava.
- Não entendo o porquê você os tinge, semanalmente, se já confessou que não liga para essas mechas intrusas.
- Eu não me importo, para ser sincera. Mas, mamãe não gosta, ela sempre insiste para eu cobrí-los. Ela disse que eles não transmitem uma boa imagem.
Há cinco anos, as mechas brancas surgiram em meio aos fios castanhos da princesa. Não em toda extensão do cabelo, apenas na nuca. Desde então, a criada, usava uma mistura de flores e sementes, para tingir os fios brancos. Ninguém no Palácio, além da família real e da criada, sabiam desse segredo.
- Você esconderá isso do seu futuro esposo, Ezli? Perguntou a criada, entre uma pincelada e outra, da mistura que banhava os fios alvos.
- Não vou, ele saberá. No momento certo, é claro.
- Faz bem, não deve existir segredos entre um casal.
Quando os fios brancos já estavam tingidos, Liliana deixou o quarto da princesa.
Ezli estava nervosa, o dia mais esperado da sua vida, havia, finalmente, chegado. Lembrou-se que, quando era criança, sempre imaginou como reagiria a essa data. Qual vestido, sapato e coroa usaria? Quem seria o homem que a acompanharia pelo resto da vida? Ele seria engraçado? Corajoso? Contaria piadas ruins quando ela estivesse triste? Ezli rir, ao pensar que, o seu noivo, era diferente de tudo o que ela idealizou, quando era mais nova. E ela não poderia fazer nada, apenas aceitá-lo, fosse engraçado, corajoso, bem-humorado ou não. Não cabia a princesa escolher, apenas aceitar a decisão de seu pai. De toda forma, ela estava conformada, o Rei jamais confiaria a sua primogênita, a um homem que não fosse digno dela.

                           *****

O Salão de Festa estava lotado. Os habitantes dos dois Reinos estavam, imensamente, alegres com a festa. A união de uma princesa do Reino Maior, com um príncipe do Reino Menor, era vantajosa para ambos. A tradição perpetuava-se e os dois lados saiam vencedores. Era assim que as coisas funcionam há mais de quatrocentos anos em Ilhandius.
Do seu quarto, Ezli ouvia a música e as vozes dos convidados. Todos pareciam muitos empolgados com o casamento.
- Você está MA-RA-VI-LHO-SA, querida. A noiva mais linda desse país.
- Depois de você, mãe. Ezli fala ao abraçar a Rainha.
- Olhe para mim. Rainha Petra fala ao segurar o rosto da filha. Você será uma grande Rainha, eu sei disso. Eu, seu pai e todo o país, confiamos em você.
- Eu me dedicarei para ser motivo de orgulho.
A Rainha enxuga uma lágrima do rosto e segue em direção a porta do quarto, acompanhada por sua filha.
Ezli sentiu um frio na barriga, quando avistou a multidão que olhava, curiosa, para ela. Todos assistiam, atentamente, os passos cuidadosos e delicados da princesa ao descer os degraus. Alguns, com a boca entreaberta, outros com os olhos arregalados, todos estavam admirados, com a beleza da futura Rainha. Ezli usava uma coroa dourada com pedras vermelhas, o que contrastava, perfeitamente, com seus olhos verdes. Seu cabelo, comprido, estava preso em uma trança, que brilhava como ouro. O vestido, dourado, com mangas longas, parecia flutuar a cada movimento da princesa.
Ao fim da escada, Ezli interrompe seus passos e aguarda seu pai que, sorridente, caminha em sua direção. Por cima do ombro do Rei, a jovem avista as duas famílias mais influentes de Ilhandius, ambas sentadas em seus tronos, aguardando a sua chegada.
Kalil não soube disfarçar sua surpresa ao ver a noiva.
- O que é isso, cunhado? Você está babando? Zoe brinca, deixando o príncipe sem graça.
Ezli estende a mão para seu pai e o acompanha ao trono. Ao chegar no fim da sala, Álvaro beija o dorso da mão fina e delicada da filha, em seguida, a entrega ao noivo. Kalil segura a mão da princesa, fazendo uma reverência e os dois sentam-se, lado a lado, entre as duas famílias.
Inicia-se um breve discurso, conduzido pelo celebrante da união, sobre a história dos Reinos e das famílias. Ezli estava nervosa e impaciente, só queria que a celebração terminasse logo. A jovem princesa não conseguia compreender, ela havia sonhado com essa festa desde a sua infância e, agora, ao invés de sentir-se alegre, ela sentia, apenas, um sentimento estranho, que ela não conseguia decifrar, mas, que a deixava desconfortável.
Percebendo a inquietação da noiva que, segurava o vestido e o apertava, repetidamente, Kalil estende sua mão sobre a da princesa e sussurra em seu ouvido.
- Não me diga que está arrependida, querida.
Ezli se assusta, com a voz grave do príncipe, tão próxima de seu rosto. Quando vira para encará-lo, percebe algo de diferente em seu maxilar - uma cicatriz -  que ela nunca havia notado. Deveria ser, por que, ela não estava ali, pelo menos não na última vez que eles se encontraram. A cicatriz parecia recente, a julgar pela vermelhidão que a contornava.
- Não tanto quanto você. Me diga, essa cicatriz na sua mandíbula, você conseguiu enquanto lutava para não vir ao casamento?
Instintivamente, Kalil leva a mão ao machucado e faz uma pequena careta, ao tocá-lo.
- Vejo que continua bem-humorada, princesa. Isso é bom.
A voz, melodiosa, do celebrante, interrompe a conversa, nada agradável, do casal.
- Estamos aqui, reunidos, para celebrarmos a união destes dois jovens, que governarão o Reino Maior. À partir de hoje, cabe ao jovem casal, lutar pelo bem do nosso país, zelar por uma sociedade justa e dá continuidade ao legado do Rei Álvaro e da Rainha Petra. Agora, Reino Maior e Reino Menor, se tornam um. Este dia se tornará inesquecível para os noivos, para seus familiares e para Ilhandius.
Nesse momento, o jovem casal levanta-se dos seus respectivos tronos, cumprimentam a multidão,  que os aplaudem de volta.
- Rei e Rainha de Ilhandius, aproximem-se, para darmos início a solenidade da coroação.
Álvaro e Preta, seguindo as orientações do celebrante, aproximaram-se dos noivos. Antes de retirarem as coroas, foram interrompidos por um grito ensurdecedor. Um homem, de estatura mediana, estava caído no chão, pálido e com manchas, avermelhadas, no pescoço. Do lado dele, uma mulher gritava, desesperadamente.
- Não deixem ele morrer, não deixem.
- Como isso aconteceu? Perguntou um dos guardas, ao se aproximar da mulher.
- Eu não sei, estava tudo bem com ele, até beber daquele vinho. A mulher aponta para a garrafa de vinho, exibida na bandeja que o garçom carregava.
- Dr. Marcus cuidará dele, tente se acalmar agora.
Dr. Marcus, habitante do Reino Maior, era o médico mais renomado do país e o braço direito do Rei Álvaro, no que diz respeito a saúde.
- Ele está bêbado e passou mal, não há com o que se preocupar.
Gritou um homem baixo e barrigudo, habitante do Reino Menor. - Um chá de gengibre e canela, resolverá isso.
- Esse vinho está envenenado. A mulher gritava, com todas a suas forças.
- Acalme-se, senhora, ainda não sabemos o que aconteceu com ele, não assuste os outros convidados.
- Onde está o Dr. Marcus? Álvaro pergunta ao guarda que ainda estava agachado, conferindo o pulso do homem.
- Não sabemos, senhor. Ele estava aqui, agora pouco e, de repente, sumiu.
Outro grito invade o Salão, dessa vez, vindo do jardim. A esposa do Dr. Marcus, Melina, ensanguentada e cambaleando, tentava apoiar-se nas paredes. Diante da cena, os convidados começam a ficar desesperados. Gritos e choros preenchem todo o Reino.
- Onde está o Marcus? Rei Álvaro pergunta a mulher.
- Estávamos no jardim, de repente, ele começou a passar mal. Sentiu tontura e caiu. Eu tentei socorrê-lo, mas, antes que pudesse fazer algo, fui atingida, de raspão, por uma bala. O vestido de Melina estava tingido de vermelho, o seu braço direito também.
Foram as poucas palavras que ela conseguiu falar, antes de desmaiar.
- Tirem ela daqui e procurem o Marcus. Alguém do Reino Menor que possar ajudar, por favor, siga o guarda. Dois homens, aparentemente, irmãos, assentem e acompanham os passos rápidos do guarda que carregava a mulher nos braços.
- Todos deitados no chão. Agora. Gritou Álvaro.
- O que está acontecendo, mamãe? Zoe pergunta, ao segurar forte o braço da Rainha.
- Faça o que seu pai falou.
Todos, um a um, começaram a deitar-se no chão.
- Que família azarenta, Germano. Justo hoje, justo hoje. Rainha Núbia resmungava para o marido.
- Estamos sendo atacados? Ezli pergunta para o noivo.
- Ainda é cedo para afirmar. Mas, não se preocupe, eu a protegerei, mesmo que isso custe minha vida.
- Não seja patético, Kalil. Ezli revira os olhos.
- Quando eu era criança, sempre sonhei em ser um super-herói. Talvez, hoje, seja a ocasião perfeita para isso, não acha?



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