Caminhamos um pouco mais, em silêncio, e finalmente paramos em frente à porta de uma das salas da ala infantil , ao acaso ou propositalmente, não me dei ao trabalho de perguntar. Ao abrirmos a porta vi a figura de uma senhora de familiares olhos bondosos segurando uma xícara de café. Os mesmos olhos da senhora ao meu lado. Não era necessário muito esforço para concluir que estávamos na casa dela.
Ela estava sentada no sofá , em uma sala grande, com janelas vitorianas e uma elegante lareira. Nas duas pontas da lareira, portas de vidro davam passagem aos jardins laterais. Espalhados pela sala, objetos indispensáveis para a casa de uma avó: inúmeros porta- retratos. Percebi fotos de crianças. Fiz menção de aproximar-me para olhá-los de perto, quando escutei a voz de um senhor, vinda de outro cômodo da casa.
- Minha velha, você pode vir aqui? - disse a voz. A senhora prontamente se levantou e foi em direção à cozinha. Nós, atrás.
Entramos numa cozinha bela e grande, como o restante da casa. De costas, sentado e mexendo desajeitadamente em algumas vasilhas , estava um senhor.
-Olá , querido! - disse, carinhosamente a senhora, abraçando-o de lado. - Posso saber porque você está na cozinha ?
- Panquecas! - falou, ainda concentrado em sua tarefa.
- Ok. Não vou nem perguntar porque esse interesse súbito em fazer panquecas.- Gargalhou- Que eu me lembre, você não gosta de panquecas.
- Mas você gosta. - respondeu o marido, sorrindo - você comentou que queria panquecas, estava fazendo pra você. - Ele deu de ombros, e a olhou de forma doce.- Te chamei porque espero que não se importe se eu jogar essa daqui fora- continuou, apontando uma massa esquisita- e pedir uma pizza.
Os dois riram, e naquele momento me dei conta de que não importa quantos diplomas eu tenha ou quantos contratos eu feche, ninguém nunca tentaria aprender fazer panquecas pra mim. Talvez essa fosse a lição que a senhorinha quisesse me dar. A proximidade da morte me parece ser o contexto perfeito para refletir sobre a própria vida, seja nas grandes ou pequenas questões que marcam e definem a trajetória de uma pessoa. Talvez essa seja uma das vantagens de ter consciência da proximidade da sua morte, você permite que pensamentos como esse adentrem a sua mente, simplesmente por não ter mais nada a perder.
-Suponho que você tenha algumas perguntas a fazer. - ela perguntou - bem, esse é o momento.
-Pode apostar. - respondi rapidamente, ainda imersa em meus pensamentos. E realmente tinha, estava completamente perdida. O fato de aquela doce senhora ser uma das versões do meu futuro fazia cada vez menos sentido .
Novamente no hospital, estávamos em uma sala branca , insossa e inóspita.
- A senhora poderia começar me explicando quem realmente é. - pedi
- Como disse, sou o futuro que você poderia ter tido.
- Como assim poderia? porque eu não o terei?
- Porque nesse momento querida, você está trilhando outro caminho. Não existe força cósmica ou destino, somos mera consequência de nossas escolhas. Cada um de nós tem diversos caminhos a seguir, cada vez que tomamos uma decisão escolhemos seguir por um caminho. As escolhas que você fez fizeram-na chegar aonde você está agora, Amy... e o fim dele é a sua morte.
-Ok. - respondi, abalada. Já ouvira bastante a palavra morte por hoje, mas ainda sentia o mesmo calafrio percorrer cada canto do meu corpo, os pensamentos se embaralhavam em minha mente. - Mas "minha mãe" falou algo sobre isso depender de mim... então, existe alguma probabilidade de eu impedir a minha morte? - perguntei , tentando ser racional.

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Second Chance
Romansa"Sentimento que induz a aproximar, a proteger ou a conservar a pessoa pela qual se sente afeição ou atração." É um dos conceitos do dicionário para a palavra: Amor. Talvez você queira uma definição menos técnica. Pois bem, dir-te-ei que Camões acert...